O poder de inverter e confundir todos os atributos humanos e naturais, de levar os incompatíveis a confraternizarem, o poder divino do dinheiro reside em seu caráter como espécie de vida alienada e auto-alienadora do homem. Ele é a força alienada da humanidade.
O que sou incapaz de fazer como homem, e, pois, o que todas as minhas faculdades individuais são incapazes de fazer, me é possibilitado pelo dinheiro. O dinheiro, por conseguinte, transforma cada uma dessas faculdades em algo que ela não é, em seu antônimo.
Se estou com vontade de comer, ou desejo de viajar na diligência da posta por não ser bastante forte para ir a pé, o dinheiro proporciona-me a refeição e a diligência, i. é, ele transforma meus desejos de representações em realidades, de seres imaginários em seres reais. Atuando assim como mediador, o dinheiro é uma força genuinamente criadora.
A procura também existe para o indivíduo sem dinheiro, mas sua procura é mera criatura da imaginação, que não tem efeito nem existência para mim, para um terceiro, para... (XLIII) e que, assim, permanece irreal e sem objeto. A diferença entre a procura efetiva, apoiada pelo dinheiro, e a inefetiva, baseada em minhas necessidades, minha paixão, meu desejo, etc., é a diferença entre ser e pensar, entre a representação meramente interior e a representação existente fora de mim mesmo como objeto real.
Se não disponho de dinheiro para viajar, não tenho necessidade - nenhuma necessidade real e auto-realizável - de viajar. Se tenho vocação para estudar, mas não disponho do dinheiro para isso, então não tenho vocação, i. é, não tenho vocação efetiva, legítima. O dinheiro é o meio e poder, externo e universal (não oriundo do homem como homem ou da sociedade humana como sociedade) para mudar a representação em realidade e a realidade em mera representação. Ele transforma faculdades humanas e naturais reais em meras representações abstratas, i. é, imperfeições e torturantes quimeras; e, por outro lado, transforma imperfeições e fantasias reais, faculdades deveras importantes e só existentes na imaginação do indivíduo, em faculdades e poderes reais. A esse respeito, portanto, o dinheiro é a inversão geral das individualidades, convertendo-as em seus opostos e associando qualidades contraditórias às qualidades delas.
O dinheiro, então, aparece como uma força demolidora para o indivíduo e para os laços sociais, que alegam ser entidades auto-subsistentes. Ele converte a fidelidade em infidelidade, amor em ódio, ódio em amor, virtude em vício, vício em virtude, servo em senhor, boçalidade em inteligência e inteligência em boçalidade.
Posto que o dinheiro, como conceito existente e ativo do valor, confunde e troca tudo, ele é a confusão e transposição universais de todas as coisas, o mundo invertido, a confusão e transposição de todos os atributos naturais e humanos.
Aquele que pode comprar a bravura é bravo, malgrado seja covarde. O dinheiro não é trocado por uma qualidade particular, uma coisa particular ou uma faculdade humana especifica, porém por todo o mundo objetivo do homem e da natureza. Assim, sob o ponto de vista de seu possuidor, ele troca toda qualidade e objeto por qualquer outro, ainda que sejam contraditórios. Ele é a confraternização dos incomparáveis; força os contrários a abraçarem-se.
Suponhamos que o homem seja homem e que sua relação com o mundo seja humana. Então, o amor só poderá ser trocado por amor, confiança, por confiança, etc. Se se desejar apreciar a arte, será preciso ser uma pessoa artisticamente educada; se se quiser influenciar outras pessoas, será mister se ser uma pessoa que realmente exerça efeito estimulante e encorajador sobre as outras. Todas as nossas relações com o homem e com a natureza terão de ser uma expressão específica, correspondente ao objeto de nossa escolha, de nossa vida individual real. Se você amar sem atrair amor em troca, i. é, se você não for capaz, pela manifestação de você mesmo como uma pessoa amável, fazer-se amado, então seu amor será impotente e um infortúnio.
3 comentários:
Texto impressionante! Mesmo sem nunca o ter lido, tinha essa mesma impressão sobre o "vil metal".
Mas assim como Marx, também não me livrei dos seus grilhões... adoraria ganhar uma fortuna na Mega-sena!!!
Permita-me a ousadia de discordar de Marx. Não dá para conceber o dinheiro com vida e vontade próprias. Ele é criação humana(aliás, excelente invenção) e revela, através do uso que dele se faz, as reais características de seu criador. O dinheiro não é força criadora mas apenas instrumento da força criadora do homem. Dinheiro não transforma faculdades humanas, apenas revela as existentes.
O que o dinheiro faz por nós não compensa o que fazemos por ele.
(Flaubert)
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