É realmente espantoso como as duas cidades se parecem. No livro, uma comarca perdida, longe de tudo; na história real, Patos, no meio do Vale das Espinharas, sertão da Paraíba. Além disso, as duas têm em comum o fato de que nelas se instala uma célula de uma organização política com vistas à Revolução Socialista. Um socialismo bastante peculiar, pois tudo deixa evidente que os únicos interessados numa revolução são na verdade seus líderes, no caso do romance, Piotr Stiepánovitch, que deseja manipular a pequena célula existente na distante província da maneira mais conveniente possível. É engraçado como ele fica o tempo inteiro prometendo aos outros participantes que algo grandioso está para acontecer, inclusive insistindo que sua presença na cidade foi uma ordem dada pela célula-mãe da capital e que ele está ali numa missão importantíssima para todo o movimento geral, ou como costuma dizer, “a causa comum”. Isto gera um clima paranóico que aflora por todos os lados. Os militantes, acreditando que o que fazem é extremamente subversivo, perseguem uns aos outros, vigiam com receio de serem delatados e vivem na iminência de que a polícia está para dar uma batida neles a qualquer instante. Ele ainda diz que há dezenas de outras células agindo à surdina ao mesmo tempo por todo o país, quando na verdade isso é uma invenção para convencer os outros militantes de que eles fazem mesmo parte de algo bem maior.
Dostoiévski insiste num ponto valioso: o fenômeno da confusão entre Ideal e Pessoa. Para o próprio Piotr Stiepánovitch, fazer com que seus fiéis seguidores não enxerguem os ideais socialistas além daquilo que ele mesmo fala, é imprescindível. No romance fica claro que Stiepánovicth deseja se tornar um com o socialismo para que os demais militantes não possam pensar por si mesmos. O socialismo é uma manifestação de Stiepánovitch e Stiepánovitch é uma manifestação do socialismo. É assim que as coisas devem ser entendidas para os outros, e eles não devem questionar isso. Aliás, se me permitem o devaneio, esse pensamento está na ordem do dia de qualquer tipo de ditadura, política ou ideológica. Na União Soviética, por exemplo, o marxismo se tornou ideologia do Estado, confundindo-se com o próprio Estado, e Stálin fez o mesmo quando criou mecanismos para se mostrar ao povo russo como sendo o próprio Socialismo (um projeto social e político que não tinha jamais essa intenção). Hitler queria se mostrar aos alemães de maneira a aparecer sem nenhuma distinção com o Estado Alemão Nazista – ele era o Führer, o Guia, o Farol para a nação. George W. Bush quer ser a personificação da Democracia de seu povo, para ele a única viável no mundo, de modo que qualquer outra pode estar do lado do mal.
Piotr Stiepánovitch, que deixa claro durante vários momentos do romance que é um manipulador, prefere não se meter quando a coisa esquenta. Em determinado momento, começa a haver uma insatisfação dos operários de uma fábrica da província – semelhante à manifestação estudantil que ocorreu nas FIP em 2007, em ocasião da visita do governador do Estado. Não se pode dizer ao certo se o grupo de Stiepánovitch foi quem incitou esses operários a se levantarem. Na opinião de Piotr, os operários dos Chpigúlin – como são chamados – não têm capacidade de tomar uma atitude sozinhos, sem uma liderança intelectual (no caso ele próprio). Acontece que esses operários aparecem diante do palácio do governador von Lembke exigindo uma audiência. Após uma confusão, alguns deles são punidos pela força da guarda policial. Onde estava Piotr Stiepánovitch? Muito longe dali. Já os militantes do Rebelião, coitados, apanharam tanto da polícia que – dizem –, no dia seguinte, os policias estavam todos doloridos de tanto bater na rapaziada. E, ao que parece, os líderes do movimento saíram ilesos.
Além dos líderes, claro, as comparações se estendem também aos militantes. No romance há um personagem, Erkel, que tipifica de maneira magnífica o militante médio dessas organizações. Esse personagem, jovem, cheio de ideais, caiu nas graças de acreditar em toda a verborragia de Piotr Stiepánovitch e passou a segui-lo cegamente. Erkel foi, de todos os que participaram do assassinato de Chátov – que supostamente ameaçava delatar a célula às autoridades – o que mais agiu friamente. Sua crença e devoção à causa comum fez com que concordasse com tudo o que Piotr Stiepánovicth falava. Stiepánovitch discursando era o próprio Socialismo falando. Este, depois que havia causado confusões demais na província, fugiu para São Petersburgo e de lá para o estrangeiro. Quando partia, prometeu a Erkel que viria logo, sua viagem seria breve e que quando voltasse retomariam os projetos. E nunca mais. Dostoiévski deixa claro que esse tipo de jovem, sequioso por mudanças, quando se apega ao primeiro belo palavreado de um manipulador como os Piotr Stiepánovitchs espalhados pelo mundo, pode realmente se converter numa força destruidora. Ou inerte.
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