Definitivamente, quando se inicia a leitura de um livro, a última coisa com a qual o leitor precisaria se preocupar seria com erros de ortografia, coisa que deveria ser posta para fora do trabalho desde o momento em que está pronto para publicação. Encontrar algo assim é algo que macula, causa má impressão à obra. Ao tomar um livro é como se o leitor falasse ao autor: bem, meu camarada, vejamos o que você tem a me dizer. Nada deve atrapalhar essa conversa, de forma que o autor não pode se expressar mal sob pena de ser subestimado pelo seu leitor. Já imaginaram? Para entender o que alguém escreve primeiro ter que corrigi-lo? Mas infelizmente, de certo modo, é por onde começarei a minha crítica.
Se a proposta do escritor incluísse e contasse com esses erros como recurso de estilo, o que demonstra controle sobre o texto, isso não seria um problema. Mas não é o que ocorre em Folhas do Álamo (Editora Idéia, 2007, 103p.), de Misael Nóbrega, quando nos parece que a intenção da escrita é ser formal e culta. O livro poderia até ser salvo dessa crítica se os erros fossem poucos, o que seria tomado como falha tipográfica, de digitação, ou aquele tipo de erro que ninguém viu que cometeu, nem mesmo o autor, mas não é o que se observa. Equívocos estão aqui e ali no trabalho, desde o primeiro texto, “o que não posso prevê (sic) é a verdade dos outros (somos inventivos demais)” (p. 19), até os últimos, “O meu desgosto é breve. É um tumor na alma. Ele, simplesmente, dar (sic) o ar da graça.” (p. 87). Esse tipo de erro é a velha confusão de uso entre infinitivo do verbo e sua terceira pessoa do singular no presente do indicativo. Há ainda diversos empregos mal sucedidos da crase e estes se encontram por todo o livro ao ponto de ser impossível citar todos em função do tamanho desse artigo e a maioria dos erros está ligada a um uso estranho da transitividade de alguns verbos e a necessidade ou não do artigo feminino. Na p. 30, entendemos contextualmente que o verbo “assistir” está presente na intenção de ver, observar: “assisto, passivamente, os estorvos da razão”; mas a maneira escrita não corresponde a essa idéia. Nessa mesma página encontramos “Um processo de degradação se desencadeia à partir da inveja e se torna débil, o homem” (até meu Microsoft Word sublinhou de verde esse “à” e quando clico com botão direito do mouse, ele diz “Neste caso, não se usa crase”. O Word sugere muita correção estúpida, é verdade, mas aqui ele está certo).
Confesso que é muito chato ser o tipo de carrasco que se atém a esses detalhes porque afinal isso é dever do escritor e também da editora que deve submeter tudo a uma avaliação minuciosa (e esse conselho vale para todos os nomes de escritores atuais de Patos, sobretudo os mais conhecidos juntamente com Misael Nóbrega, pois apresentam em suas obras erros da mesma natureza: Wandecy Medeiros e José Mota Victor). Muitos podem dizer que sou muito mesquinho e ruim ao apontar esses erros, já que eu não discuto aqui o conteúdo da coisa. Mas meu altruísmo é pequeno. A questão é que há muitos casos em que certos empregos da crase, uso das vírgulas, parênteses, reticências, travessões, ponto-e-vírgula, dificultam e muito a compreensão do que está escrito! Já deixa de ser erro de ortografia para ser falha semântica. E aí, como o leitor poderá interpretar se sequer consegue entender? Algumas construções com a crase podem ser admissíveis poeticamente falando (e meu altruísmo é pequeno, ora vejam só!), mas no texto não há um terreno propício que segure essas construções. P. 38: “É não admitindo a fraqueza que se imagina à tolerância.” P. 55: “De comprida, a marcha passou à impiedosa.” P. 69: “Somos indignos, por não sustentarmos às nossas próprias epístolas.” P. 93: “Não permito que transplantem às minhas partes.” Nestes casos há sim problemas na expressão do que o texto quis dizer.
Folhas do Álamo banaliza os sinais gráficos de ritmação da leitura com uso excessivo e indiscriminado, empobrecendo a cadência das palavras. Outra coisa que gera dificuldade para o leitor é a maneira como o autor trabalha a construção de parágrafos. Passei alguns minutos me esforçando para entender certas construções não pela complexidade da idéia, mas tentando saber qual era a própria idéia. Misael se vale das palavras ignorando por vezes o fato do que elas significam não isoladamente, porque de fato nada significam, mas em conjunto com as outras. Acontece, no entanto, de montar seu discurso seqüenciando vocábulos, apenas, não atento ao fato de que simplesmente juntos podem também não dizer coisa alguma, ou ainda de terem dito algo onde o emprego daquelas palavras foi gratuito. Concordem ou não, mas talvez seja esse o termo que define melhor o uso das palavras nas construções dos textos do autor: gratuidade. O encadeamento do que é dito é feito com palavras que, somadas ao fim de uma linha, de um parágrafo, enfim, da leitura, o resultado é zero. Cada palavra escrita abre a possibilidade de se dizer algo, porém imediatamente o autor insere outra que já abre outra possibilidade e assim continua, ad infinitum – ou até que o texto termine e você fique com a sensação de que nada leu de conclusivo. Além disso, alguns usos de palavras também são feitos sem critério inclusive do que significam de forma isolada, como no caso do verbo “convalescer” que aparece na frase “Filósofos, físicos, médicos, poetas… convalesceram por causa de suas ‘heresias’” (p. 82). No contexto da coisa não há como negar que o verbo é usado com o mesmo sentido de “definhar”, “acabar”, “fenecer”. Mas o que significa “convalescer” é muito distinto.
Noutros momentos, o texto é legível, a idéia é completa na crônica/aforismo inteira. Ou seja, que Folhas do Álamo, apesar desses desvios, teve e tem alguma intenção no que se prestou a dizer. No entanto, e isso é uma fala subjetiva, de meu gosto, não foi um livro que me tocou. Não apresenta uma força que imprima a necessidade de reflexão do que existe ali para além do momento da leitura (e isso é uma constante em autores como os outros dois citados acima). Mas também não exigiremos muito. Por hora, seria indispensável a Misael Nóbrega estar atento a estas sugestões, buscar principalmente um cuidado no uso das palavras, cercá-las bem para que elas signifiquem melhor no seu texto. Alcançar em todos seus textos aquilo que em alguns de Folhas do Álamo ele consegue: segurar a idéia até o final, sem atropelos ou construções confusas. Somos bem-intencionados nesta crítica e, depois dela, temos esperanças de que a escrita de Misael Nóbrega convalesça bem.
Um comentário:
"(até meu Microsoft Word sublinhou de verde esse “à” e quando clico com botão direito do mouse, ele diz “Neste caso, não se usa crase”. O Word sugere muita correção estúpida, é verdade, mas aqui ele está certo.)"
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morri!
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