Em postagem anterior, já dissemos que exatamente doze dias após a morte de Allende e da queda do Chile para o fascismo, morria o poeta senador. Morreu de tristeza. Ontem, 23 de setembro, portanto há quarenta anos, morria Pablo Neruda.
Aqui leremos o seu Testamento, inscrito em seu Canto general muitos anos antes de sua morte. Aquele deixado para os mineiros do salitre, do carvão e do cobre chilenos, mas que se estende aos mineiros bolivianos de Potosí, aos milhares de nativos e negros escravos que morreram nos socavones, que cavaram a terra e deixaram em carne viva as veias de toda a América Latina. O poeta senador jamais poderia esquecer do apelo, daquele encontro com os homens do nitrato, quando um deles emergiu com um rosto inumano de uma dessas feridas e lhe rogou
Passemos então à leitura da antevista última vontade do poeta...
Testamento
I
Deixo aos sindicatos
do cobre, do carvão e do salitre
minha casa junto ao mar de Isla Negra.
Quero que ali repousem os maltratados
filhos de minha pátria, saqueada por machados e traidores,
desbaratada em seu sagrado sangue,
consumida em vulcânicos farrapos.
Quero ao límpido amor que recorra
ao meu domínio, descansem os cansados,
se sentem à minha mesa os escuros,
durmam sobre minha cama os feridos.
Irmão, esta é minha casa, entra no mundo
da flor marinha e pedra constelada
que levantei lutando em minha pobreza.
Aqui nasceu o som em minha janela
como em um crescente caracol
e logo estabeleceu suas latitudes
em minha desordenada geologia.
Tu vens de abrasados corredores,
de túneis mordidos pelo ódio,
pelo salto sulfúrico do vento:
aqui tens a paz que te destino,
água e espaço em meu oceano.
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