segunda-feira, 14 de abril de 2008

Entrevista: João Carlos Cabrío comenta a literatura patoense de hoje

O Prof. João Carlos Cabrío é Doutor em Teoria Literária, e Literatura Comparada, pela Universidade de São Paulo (USP); é livre-docente da Universität Wien, Áustria; autor de diversos livros sobre cultura popular; consultor da Editora da USP; e atualmente desenvolve um trabalho valioso de captação da chamada literatura menor por todo o território brasileiro. Como já está há algum tempo em contato com a literatura patoense, em entrevista inédita ao Soda Cáustica, o Prof. Cabrío abre o verbo a respeito da produção literária no Sertão das Espinharas.

Soda Cáustica: Olá, Professor, tudo bom?

J. C. Cabrío: Tudo. É um prazer colaborar com o blogue de vocês.

SC: Nada! O prazer é nosso. Mas e então, Professor Cabrío… por que Patos?

JCC: A verdade é que, se você comparar a quantidade de novos autores lançados pelas grandes editoras brasileiras, a partir de meados da década de 1990, com os que surgiram no mesmo período, mas de maneira independente, aqui em Patos, verá que o número de novos autores nesta pequena cidade sertaneja, bem como o valor de sua produção, é bastante significativo.

SC: O que o senhor acha então que motivou esse surto de novos talentos, justo aqui em Patos?

JCC: Bom, em primeiro lugar o fato de que o surgimento de novos autores é uma das conseqüências do sistema de formação de quadros que correspondem às necessidades de uma determinada comunidade. No entanto, não podemos esquecer que o início da atividade literária em formação aqui gera atitudes que já demonstram convincentemente participar da mudança do investimento em reciclagem técnica. Por outro lado, a revolução dos costumes auxilia à preparação e à composição de alternativas às soluções ortodoxas. Agora, a certificação de metodologias que nos auxiliam a lidar com a percepção das dificuldades de criação artística possibilita uma melhor visão global do fluxo de informações. Por fim, o incentivo ao avanço de novas formas de expressão e a complexidade dos estudos efetuados, que, como já sabemos, facilita bastante à criação das mais diversas correntes de pensamento. O que é realmente ótimo!

SC: O senhor poderia então listar os principais autores desse cenário?

JCC: Sim, claro. Mas veja... há muitos. No entanto, de todos, três têm obras que apresentam maior regularidade de temas e preocupações suscetíveis de uma tipologia. Vou me apegar então apenas a estes, a saber, Wandecy Medeiros, talvez o maior deles; Misael Nóbrega, de cuja prosa há muito o que comentar; e, claro, José Mota Víctor.

SC: De uma maneira geral, como o professor classificaria as obras destes autores?

JCC: Antes de qualquer coisa, temos que ter sempre em mente que a consulta aos autores agrega valor ao estabelecimento das formas de análise. Em José Mota, por exemplo, é fundamental ressaltar que a hegemonia do ambiente artístico atribui sentido ao estabelecimento da gestão inovadora da qual fazemos parte. Já em Misael Nóbrega, não. Ele esquece que a complexidade dos estudos efetuados representa uma abertura para a melhoria dos métodos utilizados na avaliação de resultados finais. O que é bem diferente. O trabalho de Wandecy, por outro lado, é o que mais me agrada porque, se, como vimos, José Mota está preocupado com a hegemonia do ambiente artístico, e Misael parece estar alheio à abertura para a melhoria dos métodos utilizados em literatura, Wandecy atende à importância dos problemas dos quais fazemos parte. Nele, podemos já, então, vislumbrar o modo pelo qual o acompanhamento das preferências artísticas auxilia à preparação e à composição das formas de ação. O que, para mim, é bem mais relevante.

SC: Quer dizer então que de alguma forma há, por parte do senhor, certo descontentamento com relação a Misael Nóbrega? É que nós já pudemos sentir algo assim na resposta anterior…

JCC: De forma alguma. Minha crítica se direciona especificamente a alguns de seus temas, sobretudo os abordados em seu mais recente trabalho, Folhas do Álamo. Só para dar um exemplo, na crônica Espelho, ele diz: “O homem é responsável pela ruína do cenário constituído. Exacerba-se para conseguir algum achado, no entanto, quando chega o instante… Lambuza-se com a gosma do prêmio. Brota, assim, o inusitado como fenômeno para a banalização da vida (o homem banaliza o que gosta).” Essa postura infantil-pessimista diante do mundo se perpetua em várias outras crônicas, tais como Inveja, Sonhos, Auto-afirmação, enfim. O que nos leva a crer que todas estas questões, devidamente ponderadas, levantam dúvidas sobre se a percepção das dificuldades facilita a criação dos conhecimentos estratégicos para atingir a excelência. Todavia, a necessidade de renovação processual causa impacto indireto na reavaliação dos níveis de motivação do espírito humano. O que é absolutamente inadmissível em literatura.

SC: O senhor falou que Wandecy Medeiros é, talvez, o maior desses nomes. O que o leva a dizer isso?

JCC: Acredito que a posição que ele ocupa em relação aos outros é privilegiada. Apesar de José Mota ter começado na geração anterior, como teatrólogo, Wandecy tem a incrível capacidade de produzir muita coisa em um espaço bem curto de tempo. Desde sua aparição com o lírico-sentimental Poesias para Deus e para o Coração (1998), até o mais recente pUezya(2006), já se foram quase dez livros. Só para se ter uma idéia do que isso significa, Arthur Rimbaud, um dos maiores poetas do século XIX, durante toda sua vida escreveu um único livro, Une Saison en Enfer, que, por sinal, vendeu muito pouco. Caso semelhante ocorreu com o também paraibano Augusto dos Anjos. Só isso, a meu ver, já é por si só um mérito indiscutível de Wandecy.

SC: Você não é o primeiro crítico a comparar Wandecy Medeiros a Rimbaud. Flávio Sátiro Fernandes, crítico literário paraibano e autor do prefácio do pUezya, já colocou Wandecy junto ao poeta francês bem como a outros poetas malditos. Em que sentido o senhor acha que há espaço para tal comparação?

JCC: Ora, no sentido de que Wandecy Medeiros, assim como Rimbaud, é absolutamente perturbador. Considere só, como exemplo, esse trecho de Meu amigo computador:

“Ele [o meu computador] tem seus programas
Word, Windows, Excel e coisas mais
Hardware, software e impressora
Que imprime o texto que você faz

Ele é muito inteligente
E eu não vou dar mancada
Para vencer esse cara
Eu desligo a tomada”

Incrível, não há dúvidas! Perceba que, na primeira estrofe, o fenômeno da expansão tecnológica causa impacto indireto na reavaliação das posturas dos sujeitos sociais dirigentes com relação às suas atribuições. Isso culminará, como se pode ver na estrofe seguinte, numa das mais brilhantes críticas do avanço tecnológico sobre o espírito humano, assim como no desenvolvimento contínuo de distintas formas de atuação sobre o mundo no qual estamos inseridos.

Sinceramente, quando eu leio isto, sinto que o experimento em questão acumula a expansão do desenvolvimento mundial que soma valor ao estabelecimento de todos os recursos funcionais e poéticos envolvidos. É claro que a proposta desafiadora de Wandecy neste cenário estético global, talvez venha a ressaltar a relatividade das diretrizes de desenvolvimento para o futuro. Ainda assim, existem dúvidas a respeito de como a execução dos pontos do seu programa auxilia a preparação e a composição do investimento em reciclagem da poiesis. E isso me lembra muito o que diz Bakhtin a respeito.

SC: Alguns críticos têm apontado como débil o fato de Wandecy “reciclar” vários trechos, frases e até mesmo poemas inteiros de um livro para outro. Qual sua opinião a respeito?

JCC: Na verdade, eu vejo isso como uma espécie expressão de vanguarda, já que é importante observar que o novo modelo estrutural por ele preconizado (dito wandecyniano) modifica as condições poético-formais exigidas pelos novos tempos. Por outro lado, a necessidade de renovação processual representa uma abertura para a melhoria da proposta artística local. As experiências acumuladas demonstram que a crescente influência da mídia deve fazer com que a poesia passe por uma reavaliação estética, como é o caso de Wandecy, que esteja em sincronia com os recentes paradigmas da expressão hodierna. A repetição de um mesmo trecho, frase ou poema em vários de seus livros é então, a meu ver, o que poderia ser chamado de poesia remix. E não há nada mais original.

SC: Por fim, professor, gostaríamos de encerrar essa entrevista com um comentário geral sobre o futuro da literatura patoense. Então, diante do quadro que nos foi apresentado, o que senhor realmente espera?

JCC: Olhe, no mundo atual, a execução dos pontos do programa literário patoense estimula a padronização das direções preferenciais no sentido do progresso. Nisto estou otimista. Porque afinal a certificação de metodologias que nos auxiliam a lidar com a adoção de políticas livres não pode mais se dissociar dos conhecimentos fundamentais para alcançar uma melhor forma de expressão. O cuidado em identificar pontos críticos na crescente influência da mídia garante a contribuição de um grupo importante na determinação das condições favoráveis ao meio artístico-intelectual. É nesse ponto que um blogue como o de vocês é de suma importância.

Agora, não podemos esquecer de maneira alguma que o acompanhamento das preferências de consumo editorial apresentem, de hoje em diante, tendências no sentido de aprovar a manutenção dos modos de operação convencionais. A nível organizacional, o que tenho a acrescentar é que o comprometimento entre pessoas ligadas ao meio, tais como Wandecy Medeiros, Misael Nóbrega, José Mota Víctor e os demais que não foram mencionados aqui, dá condições de equalização de alternativas às soluções conservadoras. Mas ainda assim, o desenvolvimento contínuo de distintas formas de atuação acarreta num processo de reformulação e modernização dos paradigmas corporativos. E sinceramente, duvido que isso se comporte de outra forma.

SC: Bom, então, muitíssimo obrigado, Professor João Carlos Cabrío, pela entrevista. Foi um imenso prazer conversar com o senhor.

JCC: Igualmente (risos).

SC: E esperamos que o senhor, qualquer dia, volte a colaborar com a gente.

Entrevista concedida à equipe do Soda Cáustica em 28 de janeiro de 2008.

3 comentários:

Wandecy Medeiros disse...

Eu discordo totalmente. Patos tem o "Pingolinha", esse um filósofo respeitado, que inclusive irá à Lua em 2012, conforme foi divulgado na imprensa.
Como escritor temos o escrivão da Polícia Civil, esse escreve demais, o dia todo.

Wandecy Medeiros disse...

Eu discordo totalmente. Patos tem o "Pingolinha", esse um filósofo respeitado, que inclusive irá à Lua em 2012, conforme foi divulgado na imprensa.
Como escritor temos o escrivão da Polícia Civil, esse escreve demais, o dia todo.

Alex Souto disse...

Engraçado esse professor não ser citado em nehum site da USP, não ter nenhum livro publicado pela editora universitária e ser consultor dela, além de não ocorrer nenhuma citação dele no Google, sendo tão ativo na área literária. Pesquisei um pouco e já constatei que ele NÃO EXISTE. Bela pegadinha!