domingo, 3 de maio de 2009

Um problema para os linguistas

Caros amigos daí,


Gostaria de escrever mais uma nota sobre minha passagem por estas terras falando de algo que, sinceramente, me incomoda deveras. Incomoda por um motivo simples: me deixa muitas vezes sem ter o que dizer quando ocorre.

Amigos, o que nos torna comunicáveis? Tempos atrás, numa conversa com Magister Ludi, percebi que a facilitação de uma conversa é dada pela intimidade de coisas que significam em comum entre os falantes. Até aí, nenhum segredo, não teria sido nenhuma revelação. Só que intimidade deve ser entendido como algo mais, é a compreensão mútua do significado das coisas que não significam propriamente. Explico: não é pela palavra em si, que porta um significado somente decifrado por um grupo de amigos que a inventaram, por exemplo, nem tampouco como ela está descrita num dicionário.

Nós daí falamos coisas que sequer passam pelas nossas cabeças o que realmente significam dicionaristicamente. Só que a nossa intimidade, nossa confraria de significados, vela esse suposto desvio semântico. Não só, como ainda cria o significado e desse jeito usamos os termos sem nenhum acidente.

Aonde está o incômodo, apois? Claro! Está no fato de que aqui não encontro o eco do que eu digo e que eu escuto seu ressoar quando sei que o outro me compreendeu a expressão, a palavra. Engraçado isso: o eco de mim no outro está na continuidade da fala/resposta dele porque me entendeu. E mais! O incômodo está em eu não saber, de maneira etimológica talvez, o que aquilo quer dizer e explicar para o outro outro, os daqui. Isso é muito bizarro.

(Só um adendo rápido: essa coisa do eco, no que diz respeito ao lado fonético, do sotaque, dá mais pano pra manga porque é na ausência dele que as pessoas mudam o jeito de falar. Quando eu falo, ao ouvir um falante daí do sertão que me responde, eu ouço o eco da minha voz porque ele fala semelhante a mim, e reciprocamente. O sotaque são os ecos que falam entre si, diria eu num devaneio.)

Bem, mas já várias vezes que me vi nessa chateação. Definitivamente, o incômodo é esse: é que eu não sei o que certas palavras, por elas mesmas, que pronuncio entre meus amigos das terras de casa, significam. E eles do mesmo jeito. De onde vem a palavra "carrada"? De onde vem a palavra "reca"? Outro dia, contava uma história e falei algo como "uma reca de gente entrou na sala..." Aí me perguntaram o que era "reca". E eu disse: é uma "ruma". Perguntaram de novo e eu disse: é um "mói". Aí tudo certo, acredito que "mói" vem de "molho", um molho de gente, várias pessoas. Para este caso eu tive uma solução, mas e pros demais? Vocês entendem, meus amigos daí, como isso é chato? Ter essa percepção de que não sei o que digo?

Teve um dia aí que colocaram duas carradas, uma de barro e uma de areia lado a lado perto da biblioteca central da Unicamp. Pensei: vão construir alguma coisa aqui. E para mim, continuariam sendo uma carrada de barro e outra de areia se não tivessem pregado uma plaquinha no chão explicando que aquilo era uma intervenção artística no campus batizada de alguma coisa como "a origem da vida". Aliás, mesmo assim, continuou sendo o que eu pensei no começo, só que agora risível.

Viram aí, como eu não conseguiria dizer o que quis pra que vocês entendessem se não tivesse usado tão normalmente a palavra "carrada"? Já pensou se eu usasse "uma porção de areia e outra de barro", como dizem os de cá? Não! (E eu quis dizer "Nan!"). Seria muito leso, uma porção... Em compensação, quando me perguntaram, vi que não sei de onde vem o termo "carrada".
Ou melhor, nunca precisei me preocupar com isso.

É porque me falha a memória nesse instante, mas já me vi fazendo esse tipo de pergunta pra muitas palavras. O intuito, eu acho, é tentar falar na língua dos outros. E como aqui as palavras usadas pelo povo parecem significar somente o que o dicionário significa, eu penso que o caminho é esse. Pergunta-se muito aqui sobre "o que isso quer dizer?" como alguém que olha pra você e fala: me explique esse conceito.

Outra coisa! (Que inclusive já conversei com Turuna sobre). Não são apenas esses termos esquisitos, que entrariam no léxico com a alcunha de gíria. Acontece de eu falar palavras simples, que todos usam, que são faladas no Jornal Nacional, e elas não serem entendidas dentro de um contexto que radicaliza seus significados. Isso talvez porque dê conflito com a programação linguísitca daqui.

Não sei nada desse assunto como o sabem Turuna Tântalo e Magister Ludi. Peço a vocês dois, entendidos, que digam alguma coisa. Como naquela peleja conhecida de nós, "desate o nó que Romano deu".

7 comentários:

Allyson disse...

Lau, essa sua passagem por esses trechos dessas bandas só me lembra quando os Losties se encontraram com os Outros em Lost.

Também não tenho explicação para esses seus 'trumentos', mas essa sua idéia me traz outra na cabeça: acho que talvez a língua portuguesa não bastasse para que o Dr. Rosa escrevesse o seu(ou nosso?) Grande Sertão, por isso fez daquele jeito, pois aquela era a forma que lhe coube para dizer aquilo. Isso deve de ter alguma coisa a ver com o que nos fala.

Sem mais delongas, abraços dos das terras de cá.

Allyson disse...

Ah, lembrei de outra coisa!!!
Por aqui onde estou não tenho nenhum problema em relação a esse que você está tendo, os problemas de entendimento aqui são outros, mas acho que uma coisa deve ser ressaltada aqui, como dizia o velho Wittgenstein: que o significado de uma palavra é o seu uso na linguagem.
Até onde sei, vejo que o probelma ai é, em vezes, no uso das palavras.

bete p.silva disse...

Eu entendo que você pegou uma (quase) carrada de palavras e criou uma arte conceitual. Talvez o que quiseram fazer lá na Unicamp.

Mas agora falando sério (e eu não estava?) pode ser que o seu pensamento tá rápido demais, e você tropeça em você mesmo, e não que o seu vocabulário é pobre porque isso você já provou que não é. Talvez você seja inconformado, talvez você queira mesmo inventar palavras novas. Fogo do céu.

Se você não conhece música, eu arriscava a dizer que seria uma boa... Certa vez vi um sujeito tocando uma rabeca, "brigando" com o resto do grupo, uns flautistas e outros. Foi uma briga feia, foi lindo por demais.

Nem sei se entendi tudo o que escrevi, acho que é isso ou quase.

Nadie disse...

Lau, é muito brochante (ou é broxante?) falar qualquer coisa tendo que parar e dar o glossário à pessoa. Um trunfo pode ser sabe o que? Faça com esse povo o que a imprensa deles faz com a gente. Mostre a eles o quanto a fala deles (também) é ridícula, principalmente quando quer ser menos ridícula do que as outras. Se alguém botar catinga mande pegar o beco e mangue bem muito.

bete p.silva disse...

Tem também que cara metido a culto leia-se besta, tem vergonha de ficar perguntando tempo todo. Mandavê!

Lau Cariri disse...

Amigos, agradeço as mensagens. Allyson, você tem razão. Há coisas que só se dizem de um jeito mesmo, como o Grande Sertão de Guimarães Rosa, de maneira única e não dá pra se pedir uma explicação, que se diga de outro jeito. E tentar dizer de outra forma, caro Turuna, é de brochar mesmo. E olha, Bete, eu acho que ando meio revoltado mesmo. Mas essas minhas reflexões, de enxeridas no território dos linguistas, elas procedem?

bete p.silva disse...

Lau, creio que sim, que procedem sim.

A palavra é poderosa, e você me parece que está empolgado nessas de conhecer a fundo o poder de Deus, e está esbarrando na dificuldade que começou lá em Babel, passou pelo Pentecostes e tá aqui, ainda entre a gente. Xi, é isso? agora me embananei de novo.