quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Dinheiro...

Fragmento retirado dos Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844, de Karl Marx:

O poder de inverter e confundir todos os atributos humanos e naturais, de levar os incompatíveis a confraternizarem, o poder divino do dinheiro reside em seu caráter como espécie de vida alienada e auto-alienadora do homem. Ele é a força alienada da humanidade.

O que sou incapaz de fazer como homem, e, pois, o que todas as minhas faculdades individuais são incapazes de fazer, me é possibilitado pelo dinheiro. O dinheiro, por conseguinte, transforma cada uma dessas faculdades em algo que ela não é, em seu antônimo.

Se estou com vontade de comer, ou desejo de viajar na diligência da posta por não ser bastante forte para ir a pé, o dinheiro proporciona-me a refeição e a diligência, i. é, ele transforma meus desejos de representações em realidades, de seres imaginários em seres reais. Atuando assim como mediador, o dinheiro é uma força genuinamente criadora.

A procura também existe para o indivíduo sem dinheiro, mas sua procura é mera criatura da imaginação, que não tem efeito nem existência para mim, para um terceiro, para... (XLIII) e que, assim, permanece irreal e sem objeto. A diferença entre a procura efetiva, apoiada pelo dinheiro, e a inefetiva, baseada em minhas necessidades, minha paixão, meu desejo, etc., é a diferença entre ser e pensar, entre a representação meramente interior e a representação existente fora de mim mesmo como objeto real.

Se não disponho de dinheiro para viajar, não tenho necessidade - nenhuma necessidade real e auto-realizável - de viajar. Se tenho vocação para estudar, mas não disponho do dinheiro para isso, então não tenho vocação, i. é, não tenho vocação efetiva, legítima. O dinheiro é o meio e poder, externo e universal (não oriundo do homem como homem ou da sociedade humana como sociedade) para mudar a representação em realidade e a realidade em mera representação. Ele transforma faculdades humanas e naturais reais em meras representações abstratas, i. é, imperfeições e torturantes quimeras; e, por outro lado, transforma imperfeições e fantasias reais, faculdades deveras importantes e só existentes na imaginação do indivíduo, em faculdades e poderes reais. A esse respeito, portanto, o dinheiro é a inversão geral das individualidades, convertendo-as em seus opostos e associando qualidades contraditórias às qualidades delas.

O dinheiro, então, aparece como uma força demolidora para o indivíduo e para os laços sociais, que alegam ser entidades auto-subsistentes. Ele converte a fidelidade em infidelidade, amor em ódio, ódio em amor, virtude em vício, vício em virtude, servo em senhor, boçalidade em inteligência e inteligência em boçalidade.

Posto que o dinheiro, como conceito existente e ativo do valor, confunde e troca tudo, ele é a confusão e transposição universais de todas as coisas, o mundo invertido, a confusão e transposição de todos os atributos naturais e humanos.

Aquele que pode comprar a bravura é bravo, malgrado seja covarde. O dinheiro não é trocado por uma qualidade particular, uma coisa particular ou uma faculdade humana especifica, porém por todo o mundo objetivo do homem e da natureza. Assim, sob o ponto de vista de seu possuidor, ele troca toda qualidade e objeto por qualquer outro, ainda que sejam contraditórios. Ele é a confraternização dos incomparáveis; força os contrários a abraçarem-se.

Suponhamos que o homem seja homem e que sua relação com o mundo seja humana. Então, o amor só poderá ser trocado por amor, confiança, por confiança, etc. Se se desejar apreciar a arte, será preciso ser uma pessoa artisticamente educada; se se quiser influenciar outras pessoas, será mister se ser uma pessoa que realmente exerça efeito estimulante e encorajador sobre as outras. Todas as nossas relações com o homem e com a natureza terão de ser uma expressão específica, correspondente ao objeto de nossa escolha, de nossa vida individual real. Se você amar sem atrair amor em troca, i. é, se você não for capaz, pela manifestação de você mesmo como uma pessoa amável, fazer-se amado, então seu amor será impotente e um infortúnio.


sábado, 6 de fevereiro de 2010

Lagoa Branca

Como é possível ter tanto alguém

Que não se sabe mais quem?

Como se fosse fácil saber-se ainda cego

Por ter cegado sem qualquer razão

Como se fosse fácil simplesmente deixar de ser e enxergar

Assim, numa leve distração

Seria sim mais fácil dar a ti meu sangue, gota a gota

Todas as lágrimas numa lagoa branca.



Por entre teus suspiros oprimidos

Dos olhares, do magnetismo

Confundi-me aí por dentro de ti

Enquanto estavas aqui por dentro de mim


E quem mais parece você se não nós?

Quem devo ser eu se não os nós

A que atamo-nos.



E agora anda a dizer meu amor

Que não sabe o que é amar

Anda a dizer que a dor

É coisa de se alegrar

Que aquelas mãos tão unidas

Estavam ali por estar

Aqueles abraços incontidos

Eram só pra confortar

Todos os risos mais ridos

Eram por sermos mesmo ridículos


Por todos os dias que o vi adormecer

Como poderia outra pessoa sentir nisso tanto prazer?



Todas as dores do mundo

Sorvidas no teu simples vulto

Por baixo do meu edredom.

Pela tua respiração ouvida.

Pela tez a mesclar-se com a minha.

Por teu cuidado benigno.

Pelos olhares mais dignos.

Por tua letra, teu pranto.

Por tua arte, o teu canto.

Pelas tuas mãos e a disposição dos teus objetos.

A língua. Os lábios.

E aquele desejo certo.