terça-feira, 27 de abril de 2010

Nada de novo no front

Agora eu entendi qual é a sensação esquisita que a leitura de Ordem e Progresso, do mestre de Apipucos, me causava e eu não fazia idéia do nome dela. É o tipo de sensação que só se compreende quando, ao ler o livro que trata da transição Império-República no Brasil, você hoje se depara com coisas que lhe dão o mesmo gosto que a madeleine de Proust em relação ao passado. Aliás, Proust não é citado aqui de graça, já que o próprio Gilberto Freyre admite pretender fazer, nas entrelinhas, de Ordem e Progresso a Em busca do tempo perdido dos 1870-1920 brasileiros. Se eu tiver paciência escreverei um texto melhor sobre isso.

Pois bem. A sensação, dizia eu, agora sei qual é. É a mesma que Úrsula Buendía, a matriarca de Cem Anos de Solidão, começa a ter quando fica muito velha: a sensação de que o tempo está voltando.

Pelos textos de Reinaldo Azevedo e outros, e os comentários do pessoal nos seus blogues, dá pra se tirar uma medida do que eu digo. Em tempo: o livro de Freyre é recheado de depoimentos de pessoas que viveram os últimos decênios do Império e os primeiros da República.

Agora eu imagino o quanto foi difícil, ou mesmo contraditório, para alguns depoentes de Ordem e Progresso, aceitar a abolição da escravidão. Como diz Turuna Tântalo ao exemplificar as reações de quem defende hoje o latifúndio brasileiro, "onde já se viu dar terra a pequenos produtores?". Idem para "onde já se viu escravo liberto?", em 12 de maio de 1888. Reinaldo Azevedo diz que o direito à propriedade está na Lei. A escravidão também estava. O avatar da Veja ainda diz que o latifúndio é o melhor para a economia brasileira - é ela que fornece as maiores divisas, no agronegócio, para o país. O latifúndio na mão-de-obra escrava do mesmo jeito.

Esse é o tempo que volta, sobretudo em momentos de crise. Quem ouviu o podcast do Jerimum Beta (aqui e aqui) sabe que o anúncio do fim do mundo é sempre associado à transmutação de valores quase sempre impensáveis para o establishment de uma cultura ou sociedade. Essa mudança, quando surge em, digamos assim, "prenúncios pacíficos", quase sempre é condenada, impedida de alguma forma. O problema é que quando ela volta, aí sim ela se apresenta de maneira horrível, sem nenhum semblante pacificador. É assim que a reforma agrária, defendida de longa data por muitos, foi sempre postergada para, depois, voltar de alguma forma com as cenas horríveis durante o Jornal Nacional de loucos fanáticos derrubando cercas, quebrando prédios públicos, bloqueando estradas num melhor retrato de fim dos tempos jamais pintado por Bosch ou por Peter Bruegel. Quem não diria olhando pra isso: meu Deus, que mundo é esse?!

A questão é quando tudo se apresenta sob o manto da crise. Krisis, na cultura grega, é o momento que antecede o julgamento de uma situação - julgar, eu julgo em grego se diz krino. Krisis é, portanto, o impasse. O instante que põe tudo em suspensão até que se decida algo. Quem duvida que foi uma crise gigante a vivida pelos brasileiros do 15 de novembro de 1889, já precedida pelo 13 de maio de 1888? Quem se lembra do pânico instaurado nas elites e do "eu tenho medo!", de Regina Duarte, na campanha que elegeu Lula, em 2002?

Não sei se estou atingindo o alvo com esses exemplos, mas repito: lendo o incrível livro de Gilberto Freyre, é exatamente isso. Não há nada de excepcionalmente novo, é tudo voltando com outra cara. O conteúdo é diferente, mas a forma permanece.

Adendo para futuro-possível-texto: Freyre, ao falar desse momento difícil da história brasileira, se mostra partidário da ideologia de que o Brasil é um país ordeiro. Não sucumbiu aos aventureirismos das repúblicas vizinhas, onde um sujeito fazia um discurso numa praça e se proclamava presidente. Do Império para a República, segundo ele e pelos documentos que analisa, quase nada mudou nos primeiros anos. E parece que assim somos pois preferimos a contemporização ao conflito, sempre. Eis onde agora habita minha pulga atrás da orelha: apesar de minha grande paixão (por que não dizer?) pelo mestre recifense, eu me pergunto o quanto de recalque se acha nesse ossuário de contemporizações...

quinta-feira, 22 de abril de 2010

O Bolsa-Lamborghini

A Veja está medindo o impacto da crise financeira no Brasil pelo decréscimo das vendas do Lamborghini no país(!), um veículo automotor que custa 1,5 milhão de contos.


Vou usar esse espaço em branco para exprimir minha sensação de "HEIN??!!"
























Apois, segundo a notícia, de tom irônico, é verdade, porém não menos bizarra, nos últimos três meses de 2009, 15 possantes desse saíram pra cá. Eu me pergunto se foram realmente 15 indivíduos que compraram cada um deles. Entre janeiro e março de 2010, só 4 foram vendidos. (Eu ainda estou naquela sensação de HEIN??!!). A Veja não teria aí, por acaso, outro indicador de crise, não? Sei lá, já não bastou toda a discussão de retração do crédito, o que afetou as pessoas de classes mais baixas que estavam consumindo mais - deixar claro que eu não defendo que Consumo seja indicador de que um povo vai bem ou mal consigo mesmo -, agora tiveram de mostrar que a crise financeira afetou os milionários que não terão seu Lamborghini do ano? Ruim para a fábrica dos carros, ruim para o Brasil?


Sinceramente, eu também não quero suscitar qualquer "ódio de classe" contra os ric... milionários ("ricos" não, porque não é suficiente: o carro custa um MILHÃO e meio), mas eu realmente não me compadeço do brasileiro que perdeu a chance de comprar seu Lamborghini. Mesmo porque, pelo sentido literal de compadecer, seria mesmo impossível para mim esse sentimento e para, deixa ver, 90% do Brasil; embora a Veja talvez sugira o quão transtornante é, ao trabalhador assalariado, que um milionário deixe de possuir esse carrão. A Veja talvez queira criar a compaixão do pobre pelo milionário assim como a novela Viver a Vida mostre, em horário nobre para o morador do Cangote do Urubu (uma favela daqui da cidade de Patos) o quão difícil é a vida do povo no Leblon.


Outrossim, convém dizer que a Veja realmente não é uma revista 'povo', mas também não é para milionários. A classe média, que a lê efetivamente, é que possui um místico pendor para sentir compaixão pelo sujeito que não terá sua Ferrari ou seu Lamborghini. Munida desse "dado", ela usará dele para dizer que o governo foi omisso diante da Crise, que a redução do IPI (que aqueceu as vendas de carros populares, que a classe média, diga-se de passagem, compra) não foi suficiente para que alguém (entidade abstrata - responda rápido: você conhece alguém que comprou um Lamborghini?) comprasse o seu... não vou repetir, vocês já entenderam. Exagero? É não, viu... leiam o comentário de Luciedy Mousinho no mesmo texto do linque:


"Além do preço em média de 1,5 milhão, o Lamborghini passa por dificuldades das ruas e estradas brasileiras p/circular aqui. Muito diferente da Europa".

(HEIN?!)

E ele ainda se preocupa com ruas e estradas? Se um Fiat 147 passa por dificuldades nas ruas e rodovias brasileiras, imaginem esse bichão? Talvez em São Paulo, na Bandeirantes, ele trafegue beleza. O único incômodo seria dos pedágios: não para pagar, porque quem dá 1,5 milhão não se importa com os R$ 6,10 deles; mas de
parar mesmo, ou reduzir a velocidade naquele sistema do Via Fácil. Multa por excesso de velocidade também nem arranha a pintura do carro.

Outro comentário, mais instrutivo para os leitores do saite da Veja e da revista em geral, é esse, de Cristian:

"Comprem [quem, eu?] pela WT Import de Curitiba, vai sair mais barato, 1.5 milhão de reais é um absurdo [ainda bem que ele não perdeu todo o bom senso].http://www.wtimport.com. As ditas oficiais pensam que são as únicas que podem importar. Uma importadora não oficial pode trazer um modelo novo dos Estados Unidos onde os carros custam os mesmos valores mas em dólares, e têm menos sobrecarga de impostos."

Isso quer dizer que, talvez, eu consiga comprar por essa importadora com um abatimento de 400 mil contos (ou como garantiu outro comentarista no saite, na Europa ou EUA, metade do preço de desconto). Isso me fez lembrar aquele episódio de Chapolin onde mandaram um grupo de astronautas para um planeta por uma rota que gastaria 50 milhões de anos-luz para chegar, mas Chapolin disse conhecer uma mais curta, onde eles chegariam duas horas mais cedo.

Isso tá me enchendo.

Mas prestem atenção, meus amigos. Eu não estou aqui, como falei, despertando ódio de classe. O cidadão que possua dinheiro suficiente, que compre seu Lamborghini; ou, pro caso de uma Ferrari, que tenha a grana e o pedigree exigidos pelo "cavalinho". Eu juro que não tenho absolutamente algo contra. O que eu acho muito louco é o pessoal da Veja noticiar a queda na venda de um veículo daquele porte como indicador de afetação da crise global no Brasil. O país piorou porque de 15, caiu para 4 o número de Lambor... (esse nome já me chateou!). E isso é uma tragédia. Então, se tivesse aumentado a venda, o Brasil estaria ótimo. Né isso? O ideal da Veja, e de muitos seus leitores, é de que, por exemplo, o IDH inclua quantidade de Lamborghinis circulando num país como dado preponderante? Então perdemos muito tempo discutindo questões acessórias sobre os problemas da realidade brasileira quando o grande "muído" no Brasil, descobrimos graças à Veja, é que não temos Lamborghinis suficiente para todos. Então, o governo Lula está arbitrariamente errando, ora pois, em agenciar o Bolsa-Família... devemos parar com a distribuição de renda promovida pelo Estado. Bolsa-Lamborghini já! Para os que não puderam e para os que nunca, jamais, poderiam comprar! Quem sabe José Serra, paladino da Veja, abraça a causa e lança no plano de governo do PSDB? Serviria também como qualificador positivo da política externa, já que esse programa tiraria a fábrica da Lamborghini do aperto finaceiro. Serra poderia aproveitar e criar o "Minha Mansão, Minha Vida" para as pessoas que moram no Jardim Romano, nos morros cariocas ou nos mucambos do Recife.

E não me estranharia se assim o fosse. Esse pessoal vive num mundo tão à parte, nas suas Alphavilles que até pensam que os problemas de quem vive nas suas Alphavelas (em Campinas-SP) são idênticos. Porque eu lembro de Lu Alckmin, esposa do Homem-Chuchu (PSDB), quando foi investigada por receber 400 vestidos, cada um entre 3 a 5 mil contos, disse que doou todos para a caridade. Ela, como uma Maria Antonieta desconhecedora dos hábitos alimentares do povo francês (por causa da história dos brioches), achava que o problema dos pobres é que os molambos que vestem não tinham a assinatura de um designer podre de chique. Há que se lembrar que a ex-primeira-daminha também foi investigada por envolvimento no escândalo de sonegação fiscal da famosíssima Daslu. Estima-se que, somada toda sorte de sonegação da loja, 1 bilhão de Reais deixou de ser arrecadado aos cofres públicos (quantos Lamborghinis se compra com isso?). Passei em frente, só uma vez, à Daslu, na companhia de minha amiga Sueli. É construção suntuosa. Lembra o Senado romano. Bem de frente há uma rampa de acesso a um viaduto e embaixo eu vi uma família vivendo na Idade da Pedra.

Pois bem. Estou pouco me lixando para quantos carros de 1,5 milhão o brasileiro pôde ou não comprar ou que a fábrica da Lamborghini perdeu clientes no Brasil. Isso não indica porcaria alguma. Tornar isso notícia com status de importância é estúpido. Vou lhes dar mais um exemplo. Aqui na Paraíba, até onde se sabe, só existe uma Ferrari circulando. Seria a Paraíba um Estado pobre por esse motivo? Pertence ao filho do proprietário de famoso shopping de João Pessoa. O pessoal que pega horário do rush pesado na avenida Epitácio Pessoa até brinca dizendo que ultrapassou a Ferrari de Fulano e ele não pôde fazer nada. E aí? Vou lamentar que não haja mais dessas por aqui? Devo lamentar também que não haja aquelas folhas outonais dos bosques de Modena caindo na estrada, se espalhando ao vento com a passagem espetacular do bólido vermelho, como nas propagandas? É esse, de verdade, um dado significativo de como a atual crise mexe num país como o Brasil? A resposta, não deixem de ver no Manhattan Connection.

Excurso: há um modelo ainda mais barato do Lamborghini, made in China.

sábado, 17 de abril de 2010

O mito Serra

Pelo que li da última Revista inVeja, especial José Serra, o cara é uma espécie de Oliver Cromwell. Ele foi até "ungido" líder do PSDB, assim como o puritano inglês foi o eleito de Deus.

Mas não é suficiente. Serra também unificou o PSDB, tal como David unificou as 12 tribos de Israel.

Humm, faltará ele escrever agora o livro dos Salmos a FhC?

Mitologia por mitologia, prefiro aquela do "complexo do amarelinho" que, segundo Gilberto Freyre, nasceu entre nós no Brasil após a República de 1889, quando os debates sobre raça e mestiçagem tomavam de conta e se dizia que éramos fadados, como país de mestiços, a fracassar em tudo que pensássemos fazer. A resposta a isso foi a admiração por esse sujeito tipicamente feio, de pernas finas e tronco desproporcional (descrição de Rui Barbosa), baixinho e raquítico (Santos Dumont), e amarelo (João Grilo, do romanceiro popular sertanejo da caatinga e das histórias de Ariano Suassuna), mas que em nada devia aos puro-sangue arianos, conseguindo com a esperteza, inclusive, levar vantagem em cima dos demais; dobrar todos e colocá-los no bolso. Isso está "incruado" na alma do brasileiro, segundo Freyre. É mais nosso que qualquer outra mitologia.

José Serra, honestamentemente, tá mais pra mitologia da Transvilvânia: Nosferatu.



Excurso:

Acabo de ver o Perfil astrológico de Serra. É fantástico! Eis só um pedacinho... (Olavo de Carvalho não teria feito melhor)

"Nascimento: 19/3/1942, às 2h, em São Paulo

Signo: Peixes

"Sol e Netuno em oposição É movido pelo idealismo. Como todo visionário, tem dificuldade de comunicar o que vê. Por isso, é hermético e tem um ar de quem está fazendo mistério

Lua em Áries Liderança inata

Saturno e Urano em conjunção É motivado pela necessidade de reformular dogmas. Tem habilidade organizacional e de trabalhar em equipe. Consegue reunir pessoas diferentes em prol de uma mesma causa

Ascendente Aquário Sua estrela é racional-intuitiva. Navega bem em ambientes e situações complexas e sua "missão" neste planeta é descomplicar

quarta-feira, 7 de abril de 2010

"Aqui não tem..."

Segundo Serra, em seu discurso de despedida, não tem roubalheira, coisa mal-feita, no Estado de São Paulo. Estado governado há pelo menos 20 anos por PSDB/DEMO. 20 anos, viu? Lula, que vai passando quase 8 e reelegerá sua sucessora, é acuasado de gostar do poder e de fazer gato-e-sapato nele. E já li artigos da turma de Efeagá, do próprio Efeagá, dizendo que a "rotatividade" é um dos maiores benefícios que a democracia traz para o povo. Mas 20 anos governando São Paulo é pouco, né? Ou se esquecem que foi Efeagá, ele "mermim", que criou a tal Emenda Constitucional que o beneficiou com a reeleição para o segundo mandato? Alguém se lembra? Disso, Reinaldo Azevedo convenientemente se esquece.

Ao que interessa:


Tempos atrás, uma cratera gigante se abriu do nada no meio da cidade de São Paulo. Obras do governo do Estado para criação de novas linhas do metrô. Como Serra vem dizer que não tem coisa mal-feita?

Já recentemente, vi uma matéria sobre a INVASÃO de uma praça pública em São Paulo perpetrada pela Rede Globo de televisão. A emissora se apossou durante 11 anos da área, na Zona Sul da cidade (onde só mora gente grande, onde as portas dos condomínios não tem chave, tem cartão com chip identificador), cercando e impedindo o acesso ao cidadão comum. Aí, agora a Globo resolveu "doar" o terreno para o governo de SP construir uma escola técnica de formação de profissionais de TV.

Vou lhes perguntar agora, meus amigos: sendo um grupo de sem-tetos os OCUPANTES, Serra, o que ele teria feito? Bom, primeiro, era uma invasão comandada pelos esquerdopatas para ferir a campanha dele à Presidência. Segundo, reintegração de posse imediata de um bem público que, segundo sei - e sei pouco de direito administrativo - não pode sequer sofrer ação de usucapião. Terceiro, o uso da violência pra espantar aquele bando de pobre que, por estarem em tão nobilíssima localização, ferem os olhos de quem passa ali.

Parabéns, São Paulo!

Tradição DEMOcrática

PFL, antigo nome do DEM'O, é um partido de gente bacana. José Roberto Arruda que o diga. Eu só gostaria mesmo de trazer aqui pra vocês uma coisa que foi novidade pra mim, mas que pra outros nem seja. É um vídeo onde Gilberto Kassab (aquele da fala estranha, uma fala babada de quem usa aparelho até na língua), prefeito de São Paulo na linha sucessória da dinastia PSDB/DEM'O, agride uma pessoa que foi fazer um protesto dentro de uma clínica médica. Vejam a seqüência dos vídeos e julguem se o prefeito gira bem das idéias ou se ele simplesmente é um DEMOcrata.






Em tempo: Reinaldo Azevedo, aquele que acusa o PT de censurar críticas, deveria olhar melhor pros lados.