segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

A desarmonia do PMDB

Desde o início das eleições desse ano (2008), os habitantes da cidade de Patos têm visto um "rói côro" grande! Trata-se das disputas entre Marcos Eduardo e Zé Motta (ou Mota). Já foi murro trocado, insulto com a mãe do outro, prestação de contas por conta de votante que mudou de lado... De tudo!

Talvez uma das maiores armas que o PSDB usou contra o PMDB durante as eleições, foi a de que não havia harmonia dentro do partido vermelho, na verdade essa nem é uma arma tão grande pra se usar... mas usaram. Começou logo com uma luta entre os dois candidatos. Para alguns que dizem terem visto o negócio, aquilo parecia mais uma pisa, já que o vetor partia de Marcos Eduardo, era unilateral de cima pra baixo e pousava na moleira de Zé Motta (ou Mota).

Existem relatos de bem umas outras 15 pisas que Marcos Eduardo tenha dado em Zé Motta (ou Mota), por razões diversas, tais quais algumas que já citei acima, entre elas, um caso em que depois das eleições, além das pisas, Marcos Eduardo ganhou de Zé Motta (ou Mota) nas urnas (caso bem inesperado). E Zé Motta (ou Mota) foi atrás de Marcos Eduardo pra dizer que ele tinha roubado os eleitores dele [no caso Marcos Eduardo roubou de Zé Motta (ou Mota)]. Dessa vez, parece que Marcos Eduardo não deu nem cartaz e achou foi graça do outro ir todo choroso atrás dos votos que perdeu pra ele.

A verdade é que num tem Secretaria, livro publicado, cargo de vereador, grito em Câmara de Vereadores, dinheiro, mandinga, macumba, nem nada! Zé Motta (ou Mota) em 2008 foi mesmo que um Barrichello e Marcos Eduardo foi Massa!

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Fundação Ernany Sátiro gasta mais com folha de pagamento que com promoção da cultura em Patos


Você, cidadão patoense, sabe onde fica a Fundação Ernani Sátyro? Sabe que ela existe? É aquele casarão que fica na rua... uma referência mais fácil: mesma rua do Bloco Baicora. A julgar pelo aspecto encriptado do lugar, pela biblioteca cheirando a mofo e pelo desconhecimento de muitas pessoas na cidade dessa Fundação, tudo soa bastante paradoxal quando avaliamos as contas da FUNES (essa é a sigla) junto ao saite do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba através do Sistema Sagres On Line (vide abaixo como acessar). O título da postagem não está errado. Lá, gasta-se muito mais com folha de pagamento de pessoal do que com a promoção da cultura no município. O leitor poderá ver por si mesmo, mas já para adiantar, no ano de 2007, dos R$ 241.249,03 pagos como empenhos, R$ 145.748,81 foram gastos só com despesas de pessoal. Isso equivale a 60,42% de todo o montante. Em 2007, os gastos com funcionários chegaram, no mês de setembro, a um pico de R$ 14.873,21. São gastos flutuantes, mas variam em média entre 10 ou 11 mil Reais. Embora não estejamos questionando a validade ou legalidade das contas, aprovadas pelo TCE, esses números podem sequer importar para um analista desavisado não-residente na cidade ou alguém que mesmo vivendo em Patos não circule no meio cultural e dependa de verbas ou subvenções de órgãos como a FUNES para atividades culturais. Mas, para quem conhece um pouco dessa situação aqui na cidade, entre eles artistas que precisam ou precisaram do apoio financeiro da instituição, esses números podem ser altos. A começar mesmo pela própria quantidade de dinheiro de que dispõe a Fundação, suficiente para produzir muitas atividades. No entanto, pouco se vê o nome da FUNES envolvido constantemente em eventos em Patos, promoção de cursos, ou o que quer que seja. É bem verdade que há pouco foi criado o Projeto Quintas Musicais e que este segue a mesma linha de outros similares no Estado. Mas, é simples perceber que os gastos não são onerosos pela própria produção dos eventos, bastantes singelos, e dos artistas locais que aparentemente não recebem muito para apresentação. E vale lembrar que foi criado esse ano, e as contas de que falamos são de 2007. Mas quem quiser apurar, já existe a prestação de 2008, que até o mês de julho já soma R$ 141.744,69.

Diante desses fatos, a Equipe do Soda Cáustica procurará saber junto à diretoria da FUNES mais informações que esclareçam de que maneira o dinheiro está sendo aplicado na cultura de Patos.

É interessante lembrar que nada dito aqui é sigiloso, foi fruto de uma investigação profunda ou invenção nossa. Mais uma vez: trata-se de dados divulgados pelo Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, ou seja, são públicos. Veja como acessá-los:

Abra a parte do Sagres On Line que responde pelas contas do Estado aqui.

Selecione o ano do exercício e clique em "Consultar" (A FUNES só tem as contas divulgadas em separado nesse sistema a partir do ano de 2005).

Na tela seguinte, clique em "Empenhos".

Na próxima página, não preencha nenhum dos campos. Faça apenas assim: na parte de "Classificação Funcional Programática", clique na setinha onde está escrito "Unidade Gestora" e dentre as que aparecerem, selecione "Fundacao Ernani Satyro" (sem acentos ou cedilhas mesmo).

Logo abaixo, clique no botão "Consultar". Pronto, você poderá acompanhar as despesas da FUNES. Clique num pequeno botão de uma lupa que fica ao lado direito de cada informação sobre os empenhos para acessar mais detalhes.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Carta para minha oiticica


Minha santa oiticica. – Vou voltar. Ela me enganou; vou voltar. Sei que, ao chegar aí, nada me dirá você porque você, como a mulher tímida, a mais doce, não fala nunca; nada me dirá mas, em silêncio, derramará sobre mim a sua sombra, que é a ternura dos seres da sua raça. Quando daí saí, meu amor, alagados os olhos de esperança, ela, de longe, com os braços pesados de promessas preciosas, me chamava para beber ouro numa taça de anil e eu, pobre tonto, deixei o seu verde afeto, a sua suavidade hereditária, a misericórdia que a terra lhe ensinou, pelas mentiras rutilantes e venenosas da desconhecida. Ah, minha querida! Ela, a Rubra, come um coração, ri-se e pede mais… É um monstro e, no entanto, seduziu-me. É um monstro bonito; pôde mais que você, tão pura, tão mansa, tão forte, tão pouco deste mundo. Sei que sou culpado e agora, arrependido, quero regressar ao seu carinho, ao seu murmúrio, à sua penumbra, aos seus deleites, ao esmeraldino abismo do seu coração. Você me perdoará, hein? Sim, minha amada, confesso o meu pecado, pretendia ser dela, da Rubra, arder também, também embriagar-me com o sol espumante do seu cálice todo azul. Só hoje me volto para você porque só hoje compreendo que, para um palântida no crepúsculo, o desejo de não viver é o princípio da sabedoria. Pertenço ao futuro e vagueio no presente. Prometo-lhe emendar-me, criatura; existir, de ora avante, me bastará. Depois, nos seus braços de mãe verde, aí, quem sabe? Talvez me cure da ilusão, talvez ressuscite a criança que você acalentou e seja, de novo ao seu lado, feliz… Até logo, minha adorada oiticica; recomende-me a cada uma das suas folhas e das suas aves, que desejo com boa cor e boa voz. Aqui, impaciente, aguardo a sua resposta. Peço-lhe muita e muita indulgência para o seu saudoso e fiel conterrâneo. – Cimaldo.



WANDERLEY, Allyrio Meira. Bolsos Vazios. Curitiba: Editora Guaíra, 1940. p. 166-167.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

SONETO INTER-DITO

A J. F. Gama, que nunca conheço.

Escrevo, a menos que.
Se indago, é nem tanto.
Devido a, há tantos sem.
Concluo, antes conquanto...

Todo por fica enquanto,
Cada continua qual,
Tudo chega a apenas,
Nada chega a afinal...

Mundos surgem de-
Mundos se vão por.
Existo em muitos se:

Nunca é sempre não?
Broto desde. Cresço para.
Vivo com. Sigo tão!

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

O Restaurante

Pode-se dizer que ela era apenas leviana. Uma moça arredia mas um tanto cândida. Mesmo à claridade do dia, tudo o mais lhe parecia perdido na penumbra de sua lucidez. Diante da cerca que rodeava a fazenda em que se localizava o asilo, estática, degustava seus mais íntimos sentimentos, estes que também pareciam cerceá-la vez ou outra. Por qualquer razão, sussurrou:

- Eu volto em junho...

Mas sua memória frágil não a deixava lembrar bem, afinal, onde era este lugar? Por que em junho? Lá onde ela não conhecia, era agora um lugar distante demais para lembrar, num tempo também longínquo. Fácil era crer que enlouquecia, mesmo assim ela insistia em não esquecer que podia recordar. Vasculhava sua mente quando ouviu um grito tão repentino quanto os golpes de sua memória traiçoeira.

- Ah, te achei!

Virou-se em direção ao som. Conhecia bem aquela voz, aquele timbre. Ao longe pôde reconhecer o semblante, era... mas quem era mesmo? Era uma senhora de feições robustas, bronze já empalidecido não se sabe se pelos recentes dias de frio ou por todos os invernos que viveu. Decidiu fitar aquela figura estranhamente conhecida, que logo lhe falou:

- Ei, mocinha! Já chegou o meio do dia, é hora da refeição e você ainda aqui, por que vem sempre a esse lugar? - indagou a senhora franzindo a testa tanto pela dúvida quanto pela incidência dos raios solares que, embora fracos, irritavam suas pupilas. Ao tomá-la de pronto pelos braços, fazendo menção de guiá-la, deixou claro que não parecia preocupar-se de fato com o esclarecimento do que questionara, o que fez a delirante mocinha sentir-se débil. Mesmo assim respondeu:

- Talvez aqui haja lucidez... veja, é um lugar tão pacífico... – e, percebendo que ganhara a atenção inédita daquela senhora, continuou:

- Diga-me, de que valem os sentidos se não estão ligados a uma memória, à cognição?

A senhora franziu ainda mais o cenho e permaneceu em silêncio. No ar pairou a idéia de que talvez a sanidade fosse fato inversamente proporcional à inteligência, ou algo um tanto variável a partir dela e seus pontos referenciais de intelecção.

Numa fração de segundos a jovem presenciou um turbilhão de lembranças e associações de modo que podia sentir a mente tão dolorida quanto ficariam os olhos diante de um clarão em pleno breu. Lembrou-se da senhora, era a enfermeira do asilo. Gostaria de reter aquelas informações tão preciosas, mas já pareciam partir outra vez mesmo diante de seu ímpeto mais sincero a clamar para que permanecessem. Respirou profundamente, sentia esvair-se juntamente com elas, entre os braços fortes da enfermeira deixou-se levar.

- Querida, soube que em breve virão buscá-la. Não fique assim tão distante dos outros. Eles sentem sua falta, sabia?

- E eu de mim.

Melancólico existir, tão ávida por sua identidade que teimava em escapar, desfazer-se entre frestas desconhecidas. Ansiava constantemente em recordar quem é e o que representa. E, quando se deixava tomar pela ausência total de lembranças, inundava-se em desvarios. Pôde perceber o cheiro de jasmim que exalava o jardim, antecipando a entrada nos cômodos da fazenda. Pediu que a servisse ali, numa rede próxima onde logo se sentou. Intrigava-lhe as saúvas das árvores em que se sustentava a rede. Elas viviam tão ávidas, mesmo sem uma aparente memória. Viviam instintivamente e o instinto as ordenava viver peremptoriamente. sem mais nem porém. Decidiu de repente então viver peremptoriamente. Sorriu ao imaginar que isso podia satisfazê-la, mas somente naquele instante. Deitou-se.

A enfermeira se dirigiu à cozinha e deparou-se com o médico assistente dos asilados.

- Por quanto tempo mais ela ainda ficará assim, doutor? – disse ao notar que ele observava a moça com afeto.

- Infelizmente ainda é difícil de estimar. - Ele não gostava de falar sobre isso, queria ter mais esperanças e pensar sobre fatores técnicos parecia não ajudar. E também, tais fatores podiam não ser compreendidos, como havia acabado de cear, batia-lhe um desídia usual, motivo suficiente para economizar palavras.

- Ela é tão jovem... – disse a enfermeira entristecida.

- Sim, e tem uma mente promissora, mas nenhum de seus melhores adjetivos parece ter valia diante de sua memória frágil, o que é uma verdadeira lástima.

Enquanto a observavam com pesar da janela da cozinha, surge naquele horizonte bucólico um rapaz de olhos singularmente janeiros aproximando-se da moça. Com o seu semblante característico, tão plácido quanto aquele lugar, ele caminhava. Em passos certos, se aproximava daquela que repousava docemente encantada com a comicidade que havia captado em meio a tantas amarguras: a comicidade de viver como uma saúva.

- Sinto informá-lo, senhor, o dia ainda completa a metade e ela se prepara para cear! – gritou o médico pensando numa forma de prolongar os minutos dela por perto de sua presença. Não sabia explicar mas sentiu desespero naquele instante. Nem soube discernir se era bom ou ruim estender a presença dela, talvez fosse uma vontade egoísta. E, como se não ouvisse tanto quanto ela não podia lembrar, continuou e chegou até ela. Um silêncio estranho pairou entre eles como se já estivessem se comunicando. Ele a fitava. Sentia que todas as palavras que dissesse não seriam ditas porque estava inevitavelmente mudo, além de aparentemente surdo. E, depois de alguns instantes, antes que dissesse algo, ela adiantou, ainda com os olhos fechados:

- Eu sinto os raios do sol mas o dia ainda está nublado e frio... Ainda bem que trouxe o casaco... – disse sorrindo à medida em que abria os olhos.

- Não vamos mais precisar de agasalho. – Ele a olhava embevecido. Ela só precisa existir para ser querida – pensou.

- Aonde vamos?

- Ao restaurante.

Num curto lapso lhe ocorreu que sua memória estava sã, afinal, o reconhecera até mesmo antes de abrir os olhos. E um sorriso largo preencheu seu semblante de alegria. Afinal, agora era bem mais do que uma saúva, teria uma satisfeição maior.

- Não sabia que estava passando fome aqui. – brincou.

E os dois riram abertamente como bons e velhos cúmplices daquele e de tantos outros instantes memoráveis.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

PARA ALÉM DE GALVÃO BUENO

Ocorre-me a indagação sobre o que me faz sentir uma certa emoção em ver os atletas brasileiros competindo e, às vezes, ganhando nas Olimpíadas, à parte as efusivas e irritantes manifestações de ufanismo dos locutores televisivos. Ou melhor, sobre o que leva muita gente brasileira, e muita mesmo, a se sentir assim; gente que, não havendo efemérides esportivas como essas, nem ligam para as competições – desconhecendo-lhes até as regras mínimas – e ficam indiferentes a qualquer manifestação cívica ou patriótica. Por que será que o povo brasileiro sente-se reconfortado em assistir aos seus conterrâneos ganhando medalhas, o que, na fria concretude das coisas, não significa outra coisa senão o reconhecimento de habilidades em domínios que não têm nenhuma utilidade para a vida cotidiana? O que dá sentido a isso?

Será a mesma sensação que leva a dona-de-casa a torcer pela homem que vai salvar a mocinha na novela? O mesmo que faz as crianças se sentir vitoriosas com as conquistas dos seus heróis nos desenhos animados? Tá’qui uma palavra-chave, isto é, que pode abrir caminhos: herói.

Parece ingênuo acreditar em heróis. Mas não é só coisa pueril ou de domésticas iletradas. As crianças e as domésticas iletradas só têm a honestidade de não esconder que amam alguém que não existe. E cada um tem heróis. Todos erguemos patamares nos salões imaginados que alugamos para os que nos são caros. Todos temos alguém que queríamos ser, sem deixar de ser esse que quer ser. Herói é o que encarna em sua figura o impossível de ter havido, aquilo que não pude ter sido, as minhas outras escolhas não escolhidas, a minha força que prefiro esconder. Tanto é que vestimo-nos de herói nas horas de adormecer: pensamos em respostas perfeitas para situações imaginadas; arrancamos força para falar a verdade na cara de quem quer que seja; montamos projetos arrojados; destruímos as forças maléficas. Ou, o que não é nem um pouco menos nobre, vemos no herói amado o nosso rosto... Elegemos os que podem nos salvar do sem-sentido: o herói resolve e, quando não pode, lamenta e chora conosco; elegemos heróis pela saudade de um pai que nos tira da boca do jacaré; e não só o que cuida da gente, mas o que ensina a gente a ser herói também. O herói nos deixa ser...

Um povo sem heróis é um povo sem referências de força e de coragem, um povo que não tem pra onde ir... Lembro de Zaratustra que dizia que a nova nobreza que ele apresentava não era a do sangue nem a do dinheiro, mas a do destino: a nobreza de um povo está no lugar para onde ele segue, isto é, no país dos sonhos. Um país é não o que é, mas o que quer ser. Pois o Brasil é uma pátria sem heróis. Não falo do Brasil-cores, do Brasil-hino-e-bandeira, do Brasil-território; mas do que Mário dizia que era o Brasil: um jeito de ganhar dinheiro, de comer, de dormir. Somos um povo triste, de história triste. Fazemos muita festa por isso mesmo. Fernando Pessoa dizia que os países de histórias alegres e vitoriosas cantavam cantigas tristes; e os países de histórias tristes e penosas, faziam festas e eram alegres.

O povo brasileiro, carente de uma referência unívoca, pôs no esporte suas esperanças de grandeza. E nessas Olimpíadas emocionamo-nos com nossos heróis fracassados, que continuam a ser heróis. Nossos atletas são heróis com um esforço muito pessoal e com gana. Tem razão o Emanuel quando diz que “é muito importante ganhar medalha para o nosso país”.

Diferentemente daqueles medalhistas produzidos em série pelos EUA e pela China: são como máquinas desenhadas e programadas durante anos para funcionarem no momento certo. A qualidade dos heróis brasileiros não é a eficiência, mas o que cria eficiência, a gana, a garra, a grandeza. É nisso que as meninas do futebol, que não ganharam ouro, são heroínas e as estadunidenses não são. Nossos heróis criam a força, porque essa de quase nenhum lado lhe veio. É nisso que Kathlyn Quadros, a judoca que não tinha dinheiro para comprar o quimono, é heroína, e Micheal Phelps, não! Não é a habilidade que faz o herói. A habilidade é tão imparcial quanto o instrumento, como uma faca que é tão afiada nas mãos de um bom cozinheiro quanto nas mãos de um bom assassino. O que faz o herói é o espírito que ele põe na habilidade. É essa a razão pela qual estamos tão enraivecidos com os rapazes do futebol masculino, que, vestidos de heróis, se comportam como mercenários.

Alegramo-nos com os pequenos que têm uma outra grandeza, que não é a do dinheiro ou a da fama. Uma grandeza mais além da bandeira, das cores, do hino e da famosa vinheta da Globo; além dos uivos de Galvão Bueno; além do pretenso “espírito de paz” das Olimpíadas, esta que já se tornou um evento puramente comercial e estilizado. Não, isso é o que enfeia a festa: a ostentação de uma humanidade que nem se conhece. A falsa beleza que se ostenta na festa de abertura, ou a falsa grandeza que se ostenta no quadro de medalhas, ou o falso discurso de paz que se ostenta nas falas dos políticos e famosos são sinais de que não temos o que celebrar, ou que o que se pretende é a celebração de uma homogeneidade imposta, mas que não consegue alcançar o mais fundo dos povos. Quando um consenso é forçado é que alguma coisa feia tem que ficar escondida. Não! Não é aí que estão nossos heróis: nossos atletas são heróis justamente porque não venceram, ou porque sua vitória foi tímida, como o que é comum na vida da gente. É como a comovida descoberta, à qual os mais velhos nos advertem, de que não é preciso vencer. A vida não é uma vitória, porque é um jogo que se perde antes de começar. A vida é uma saudade das festas antigas – das que houve e das que ficaram por haver. A vida também é uma festa das futuras lembranças, das saudades que virão. Os nossos atletas-heróis nos comovem porque sua vitória é a sentença de que não precisamos vencer, de que nos encanta estar no jogo e que o jogo não acabe enquanto o cansaço não o pedir...

Nossos atletas-heróis são fundamentalmente fracassados porque não conseguem nos tirar da boca do jacaré, colocando apenas uma trava para que a boca não se feche sobre nós. Eles ocupam o espaço dos que fugiram do seu compromisso de herói e abandonaram um povo sem referência num deserto de idéias e sonhos. Mas, quem sabe uma estória não acorda o povo e o faz ficar bonito?: Era uma vez uma menina que descobriu que gostava de lutar judô, mas não tinha dinheiro pra comprar um quimono...

"Brasil amado não porque seja a minha pátria,
Pátria é acaso de migrações e do pão-nosso onde Deus der...
Brasil que eu amo porque é o ritmo do meu braço aventuroso
o gosto dos meus descansos,
o balanço das minhas cantigas, amores e danças.
Brasil que eu sou porque é a minha expressão muito engraçada,
porque é o meu sentimento muito pachorrento,
porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir."

Mário de Andrade - trecho "O poeta come amendoim"

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Príncipe Míchkin

Entre outras coisas pôs-se a meditar como em seu estado epiléptico, quase no limiar do próprio ataque (se é que o próprio ataque aconteceu na realidade), chegara a um grau em que subitamente, em meio à tristeza, à escuridão da alma, à pressão, seu cérebro pareceu inflamar-se por instantes e todas as suas forças vitais retesaram-se ao mesmo tempo com um ímpeto incomum. A sensação de vida, de autoconsciência quase decuplicou nesses instantes que tiveram a duração de um relâmpago. A mente, o coração foram iluminados por uma luz extraordinária; todas as inquietações, todas as suas dúvidas, todas as aflições pareceram apaziguadas de uma vez, redundaram em alguma paz superior, plena de uma alegria serena, harmoniosa, e de esperança, plena de razão e de causa definitiva. Mas esses momentos, esses lampejos ainda eram apenas um pressentimento daquele segundo definitivo (nunca mais que um segundo) após o qual começava o próprio ataque. Esse segundo, é claro, era insuportável. Refletindo mais tarde sobre esse instante, já em estado sadio, ele dizia freqüentemente de si para si: que todos esses raios e relâmpagos da suprema auto-sensação e autoconsciência e, portanto, da “suprema existência” não passam de uma doença, de perturbação do estado normal e, sendo assim, nada têm de suprema existência, devendo, ao contrário, ser incluídos na mais baixa existência. E, não obstante, ainda assim ele acabou chegando a uma conclusão extremamente paradoxal: “Qual é o problema de ser isso uma doença? – decidiu finalmente. – Qual é o problema se essa tensão é anormal, se o próprio resultado, se o minuto da sensação lembrada e examinada já em estado sadio vem a ser o cúmulo da harmonia, da beleza, da conciliação e de fusão extasiada e suplicante com a mais suprema síntese da vida?”. Essas expressões obscuras lhe pareciam muito compreensíveis, ainda que excessivamente fracas. De que isso era realmente “beleza e súplica”, de que isso era realmente “ a suprema síntese da vida” ele não podia nem duvidar, e aliás não podia nem admitir dúvidas. É que não foram algumas visões que naquele momento lhe apareceram em sonho, como provocadas por haxixe, por ópio ou vinho, que humilham a razão e deformam a alma, visões anormais e inexistentes. Sobre isso ele podia julgar com bom senso ao término do estado doentio. Esses instantes eram, justamente, só uma intensificação extraordinária da autoconsciência – caso fosse necessário exprimir esse estado por uma palavra –, da autoconsciência e ao mesmo tempo da auto-sensação do imediato no mais alto grau. Se naquele segundo, isto é, no mais derradeiro momento de consciência perante o ataque ele arranjasse tempo para dizer com clareza e consciência a si mesmo: “Sim, por esse instante pode-se valer a vida toda!” – então, é claro, esse momento em si valia a vida toda. Aliás ele não defendia a parte dialética da sua conclusão: o embotamento, a escuridão da alma, o idiotismo se apresentavam diante dele como uma nítida conseqüência desses “minutos supremos”. A sério, é claro, ele não se meteria a discutir. Na conclusão, isto é, na sua avaliação desse instante, havia sem dúvida um erro, mas a realidade da sensação o embaraçava um pouco, apesar de tudo. O que efetivamente fazer com a realidade? Note-se que isso mesmo já acontecia, note-se que ele mesmo já conseguira dizer para si mesmo, naquele mesmo segundo, que esse segundo, por uma felicidade infinda que ele sentia plenamente, talvez pudesse mesmo valer toda a vida. “Nesse momento – como dissera certa vez a Rogójin, em Moscou, nos momentos em que então estavam juntos –, nesse momento me fica de certo modo compreensível a expressão insólita: não haverá demora. Provavelmente – acrescentou ele, sorrindo – trata-se daquele mesmo segundo em que não houve tempo de derramar-se o vaso emborcado com a água do epiléptico Maomé que, não obstante, no último segundo conseguiu contemplar todas as habitações de Alá.” Sim, em Moscou ele conseguira se entender freqüentemente com Rogójin e falar não só desse assunto. “Há pouco Rogójin disse que naquela época eu era o seu irmão; ele disse isso pela primeira vez hoje” – pensou o príncipe de si para si.

DOSTOIÉVSKI, Fíodor M. O Idiota. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2002 (2ª Edição, 3ª Reimpressão), p. 261-262.

Cenas da minissérie russa "O Idiota", de 2003:


quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Os mundos de Ketleyn e Phelps

por Ricardo Gondim.

Michael Phelps e Ketleyn Quadros são atletas dos Jogos Olímpicos de 2008. Ela ganhou uma magra medalha de bronze e ele não aguenta o peso de tanto ouro pendurado no pescoço. Os dois apareceram na primeira página dos principais jornais brasileiros por motivos diferentes. Ele se tornou o nadador mais premiado de todos os tempos e riquissímo porque empresta um sorriso maroto para as multinacionais do esporte. Ela vai voltar para uma casa humilde nos arredores de Brasília. Phelps e Ketleyn vivem realidades e universos distintos.
Kelteyn nasceu em um país desgraçadamente injusto. Sua mãe costurou o seu primeiro kimono com retalho de sacos. Phelps vive em um país onde a escola pública ainda existe. Lá, os campeonatos estudantis são levados a sério, alguns televisionados.Os campeões das High Schools já são celebridades.
A peneira esportiva que Phelps teve que subir tem malhos apertados. Porém, quando terminou os estudos secundários, o "fenômeno" da natação ganhou bolsa de estudos integral para cursar uma universidade com muita verba. Paparicado pelos melhores treinadores, nadou a vida inteira em piscinas maravilhosas. Se precisou corrigir o estilo, tinha à disposição aparelhagem de vídeo de última geração. Nutricionistas ajudaram para que nunca se preocupasse com o que comer. A ascenção de Phelps espelha a cultura do seu país.
A de Ketleyin também. Sua mãe precisou fazer rifa e pedir dinheiro emprestado para poder assistir à filha brilhar em Pequim. Chorou enquanto lembrava do sacrifício de pegar ônibus caindo os pedaços para que Ketleyn entrasse no tatame.
Iguais a ela, muitas mães sofrem o pão que o diabo amassou para que os filhos lutem nos espartanos campeonatos brasileiros de judô.
Rarissimas escolas públicas brasileiras possuem algum complexo esportivo. Quando esporadicamente uma Ketleyn brilha é preciso lembrar que outras milhões nunca escapam da miséria. Mocinhas trabalham durante o dia e se arrastam para aulas sonolentas à noite. Com péssimo rendimento acadêmico, elas se vêem forçadas a aceitar sub-empregos com salário indigno. Cedo engravidam e perpetuam o perverso ciclo de injustiça, que condena este país a cáca que é.
Os nadadores que chegaram em sétimo ou oitavo na natação são oriundos da classe média, treinam em clubes da elite e logo que mostraram talento, emigraram para o exterior em busca de melhores condições. A “mãe gentil” não ajuda. Até os esportes coletivos sobrevivem de clubes ricos e de patrocínio empresarial. Mesmo assim, sobra pouco, o voley talvez.
Gosto muito de esporte, mas não agüento as patriotadas ridículas dos telejornais. Já sinto náusea de imaginar a festa que vão fazer quando o país ganhar uma ou duas suadíssimas medalhas de ouro. Tentarão encobrir a falta de vergonha na cara dos governantes com o mérito de algum solitário herói. O filtro social brasileiro exclui milhões. O maratonista empurrado, mas que ainda assim ganhou um bronze na Olimpíada grega havia sido um boia fria, cortador de cana.
Deus livre o Rio de Janeiro de ser escolhido para sediar qualquer outro evento esportivo internacional. A copa do mundo vai encher as burras das empreiteiras que vão construir elefantes brancos. Os dividendos sociais serão poucos, muito poucos.
Subdesenvolvidos, continuamos maravilhados com o sorriso despretensioso do Michael Phelps e com a algazarra tupiniquim de novos brasileiros com nome esquisito que podem brilhar.

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Visite: www.ricardogondim.com.br

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

O REI ESTÁ (FICANDO) NU

Quase não escrevo sobre política, menos ainda sobre escândalos políticos. Não consigo digerir os discursos políticos. Mas por vezes, os discursos que, ao ouvir, vomito novamente são tão impressionantemente mal-construídos que tenho vontade de lhes mostrar os alicerces na areia movediça. Mais ainda, quando diz respeito aos detentores da tirania que assola o Vale do Sabugy, terra onde nasço a cada dia para uma nova espécie de liberdade. Após o furdunço que provocou as matérias publicadas pela Folha de São Paulo na terça, 05, e endossadas pelo Correio Braziliense ontem, quarta, 06, ontem, ainda, o senador Efra-Imorais (assim o chamava o saudoso Chico Pereira em suas oportunas colunas no Correio da Paraíba) fez um pronunciamento na tribuna do senado que começou por volta das 17:30h e, adicionado de vários e muitos vários adendos e apartes dos colegas, terminou perto das 19h.
O pronunciamento do senador, enxugado das esperadas e recauchutadas bravatas em defesa da reputação política, tentou desabilitar as equipes de reportagem dos respectivos jornais, julgando improcedente a notícia. O senador utilizou uma velha - e muito velha - armadilha retórica, usada, pelo menos, desde Sêneca, conselheiro de Nero, que é a de se adiantar às investigações dos órgãos competentes. Ele disse "autorizar" - palavra dele - a Polícia Federal e o Ministério Público a investigarem suas contas e ligações. Depois, o senador tentou se eximir da culpa pelos contratos com os sites paraibanos - sendo um deles do seu primo, Glauco, no valor de 120 mil reais - alegando que não o primeiro secretário, mas toda a mesa diretora é responsável pela fiscalização de contas. Terminado o pronunciamento os apartes dos senadores foram controversos: os seus companheiros de partido e ala no senado, obviamente que ficaram do seu lado, elogiaram e defenderam o senador.
Penso que um primeiro elemento a ser rememorado para o senador é que a Polícia Federal e o Ministério Público não precisam da "autorização" de ninguém para proceder a investigações.
Até onde assisti, pude salvar os apartes dos senadores Aloizio Mercadante e Eduardo Suplicy (ambos PT-SP) que, mui cordialmente, elogiaram a atitude de antecipação do senador, mas enfatizaram o pedido de cancelamento dos contratos em suspeita, até que vigore a certeza (Mercadante) e até de extinção dessa espécie de contratos de propaganda, já que o Senado dispõe de três grandes veículos de divulgação, amplamente acessados pela população (Suplicy). A isso, Efraim respondeu que se a Justiça não mandou cancelar o contrato, não é necessário fazê-lo, no que comete o impropério de deixar implícita a idéia de que irregularidades não corrigidas exteriormente ou não punidas podem continuar a existir tranqüilamente, ainda que quem as cometa saiba de seu caráter irregular.
A esses, ainda se juntou o senador José Nery (PSOL-RR) para fazer uma crítica mais ampla aos serviços terceirizados dentro do senado e questionar o senador dos DEMO-PB sobre o seu trem da alegria particular no Senado. Efraim realmente foi infeliz nessa resposta, primeiro alegando que o nepotismo não é ilegal, sobre o que poderíamos remeter às mais simples aulas de Ética do Direito, ou até de Direito Consuetudinário: o que é legal não esgota o que é moral, que, por sua vez, não esgota o que é ético. Ou seja, a lei não dá conta da ética. Posturas éticas estão acima de posturas lícitas. Não é porque a lei não se pronuncia sobre determinado caso que o indivíduo deixa de ter uma posição específica sobre o caso. É como se ele dissesse assim: “Meninos, nepotismo não é ilegal. É só imoral!” (?)
No caso em questão, faz parte de uma postura subjetiva do senador defender o patrimonialismo - a tanto tempo, denunciado popular e academicamente; e sugiro para ele e todos a leitura de Os Donos do Poder, de Raymundo Faoro. Além disso, o senador usou a conduta alheia para justificar a própria, identificação peculiar do imaginário, como diria a psicanálise lacaniana. Remetendo ao caso da prefeitura de João Pessoa, cujo prefeito, Ricardo Coutinho (PSB), segundo Efraim, mantém quatro irmãos como secretários ou cargos similares, ele tentou justificar essa conduta provavelmente no Vale do Sabugy, já que ele disse que se falava muito disso “em minha terra”.
Ainda teve a lembrança que o senador Paulo Duque (PMDB-RJ) lhe trouxe de que é atribuição específica do primeiro-secretário, e não de toda a Mesa Diretora, a fiscalização das contas. O que esperar então se quem deveria fiscalizar é o primeiro a, pelo menos, fazer vista grossa para contratos de terceirização de serviços que, além de desnecessários, não passaram por um processo transparente de licitação?

Depois, fiquei enjoado de hipocrisias novelescas e fui ler Bertolt Brecht, e lhes trago uma pitadinha:

NADA É IMPOSSÍVEL DE MUDAR
Desconfiai do mais trivial,

na aparência singelo.

E examinai, sobretudo, o que parece habitual.

Suplicamos expressamente:

não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,

pois em tempo de desordem sangrenta,

de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,

de humanidade desumanizada,

nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Das suposições

Não sei para quem continuo a escrever essas pequenas peças. Mas as escrevo. Sei que para mim
não é, ou pelo menos não pode ser: começo, depois apago, acho feio, acho banal, acho simplório, depois acho rebuscado demais... apago, desisto... Parece que há outro em mim a quem preciso satisfazer, compondo coisas que considera bonitas. Uma outra pessoa, que não é só uma parte, mas outro inteiro, dentro desse inteiro que já digo ser... Esse outro me apela que eu fale menos, depois de ter me obrigado a muito falar; que eu seja menos agressivo e mais silencioso, depois de ter acentuado bem o que chamo de opinião... Depois me exige gestos mais amenos e mais firmes, mesmo que isso pareça contraditório – mas, por vezes, n’alma da gente, só o contraditório faz sentido! São tantas vozes que tenho. Um espírito povoado. Não sei se me consola o fato de saber que assim é com as gentes todas. Toda pessoa é uma legião de outras pessoas. Todos estamos sendo outros a toda hora. De uma maneira mais superficial, isso poderia ser explicado com uma metáfora teatral, como se fôssemos atores que desempenham seus papéis perante uma platéia que é composta de outros atores desempenhando seus papéis perante nós que, nesse instante, representamos o papel de platéia... Somos cebolas: a cebola se veste de si mesma, ela é toda roupa, e por isso, não tem roupa, ela é o que veste. Nós somos nossa pele? Nós somos a pele que dizemos ter: palavra é roupa enfeitada que jogamos sobre o corpo, roupa que não escolhemos vestir... E essas são só suposições. Suposições que trocamos nos olhares, suposições que sabemos que todos temos, mas que nunca chegaremos a saber se todos realmente a temos.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

TUDO É GRANDE SERTÃO (Cem anos de Guimarães Rosa)
Maria Clara Lucchetti Bingemer*


O centenário do grande escritor mineiro Guimarães Rosa não pode passar despercebido nesses “destaques” virtuais que são nossa coluna semanal aqui no Amaivos. E falar de Rosa é voltar a “Grande Sertão Veredas”, considerado por muitos críticos e escritores a obra maior em romance da literatura brasileira que tem sido, ao longo de sua história, ocasião de reflexões várias, provindas de diferentes campos e áreas do saber. De parte de escritores brasileiros de primeira grandeza, Grande Sertão tem sido louvado em todos os tons, comparado mesmo à Bíblia pela grande poeta mineira Adélia Prado: “Tudo é bíblias. Tudo é grande sertão”.
A saga do jagunço Riobaldo tem tido várias interpretações por parte de muitos e múltiplos estudiosos, que se debruçaram sobre a obra prima de Guimarães Rosa. Riobaldo aparece como o protótipo do ser humano,que se debate durante toda a sua vida, entre o bem e o mal, entre a graça e o pecado, entre Deus e o Diabo.
Ao longo deste embate que tem a forma exterior da violência e da brutalidade, da jagunçagem e seu cheiro de morte, entremeada e atravessada pelo amor e pela beleza e o desejo da santidade, Riobaldo faz na verdade a viagem – travessia – ao fundo de si mesmo. E no si mesmo encontra o outro e faz uma aproximação conclusiva do mistério de Deus e do ser humano. Defronta-se também com a pergunta pela existência do diabo, que vai, no imaginário rosiano, sintetizar a essência dos três males cuja tipologia procuramos descrever acima: mal físico, moral e metafísico. Na medida em que a presença do demônio , do diabo aparece latente no interior de Riobaldo, este vai sentindo que esta se incorpora no humano e o suspende sobre um abismo de onde se insinuam todos os matizes do mal. Daí acontece o confronto inevitável entre o ser humano e Satanás, onde o humano se verá a braços com a própria vacuidade de sentido.
A opção de Riobaldo pelo tornar-se jagunço, empunhar armas, ferir e matar, se desenrola ao mesmo tempo em que cresce, paralelamente, o amor por Diadorim, que confunde e quase exaspera o macho Riobaldo. O ser humano que é Riobaldo se confunde ao perceber no fundo de si mesmo , entrelaçadas, as pulsões da vida e da morte, da belicosidade que o faz participar do bando de jagunços que mata e ao mesmo tempo da compaixão que o faz interceder pela vida de Joca Ramiro quando este é levado a julgamento depois de derrotado por Hermógenes e Ricardão.
Confunde-se também e sobremaneira ao constatar que o que sente por Diadorim é mais do que companheirismo, amizade. É amor e isto não é sentimento que em sua visão de mundo um homem possa sentir por outro. O temor que esse sentimento provoca é magistralmente descrito por Rosa, na esteira de tantos outros pensadores na história da humanidade. Trata-se da atitude do ser humano cada vez que se defronta com aquilo que pertence a uma esfera maior e mais além do si mesmo: a esfera do Transcendente, do Sagrado, do Santo. O homem criado e limitado, diante da epifania do Absoluto que se reveste de mediação ao alcance dos sentidos, sente atração irresistível e temor irrefreável. O mistério fascinante é também mistério tremendo e é diante dele que balança e se faz frágil todo o universo rosiano.
O numinoso, o mistério atrai irresistivelmente Riobaldo ao mesmo tempo em que o amedronta. E esse mistério é Diadorim e os sentimentos que nele provoca, Diadorim que é um lindo moço de olhos verdes, de seu mesmo sexo. Diadorim que ele ama como um homem pode amar loucamente uma mulher.
Ao lado disso, Riobaldo volta-se para o que o atrai do outro lado, tentado a fazer a mesma travessia que Hermógenes: vender sua alma ao diabo, fazer com ele um pacto a fim de ganhar vitórias nas batalhas como o mesmo Hermógenes conseguia. Invoca o diabo, acreditando ser ouvido. E lança-se na luta encarniçada para vencer e matar o bando rival e os assassinos de Joca Ramiro.
Qual novo Fausto, Riobaldo parte para o combate com a convicção de que o diabo o levará à vitória. O sertão, o grande sertão é seu deserto, onde aluta decisiva é travada. Mas nesse deserto sem caminho ele encontrará não o sem sentido, mas veredas. Ao se encaminhar para a batalha final, mal sabe que o que ali o espera não é a vitória da jagunçagem, mas a revelação dramática do amor.
A revelação do amor na morte da mulher que Diadorim revela ser redime Riobaldo, que decide abandonar a jagunçagem e recebe outra revelação: o demônio não existe. O lugar onde fizera seu pacto com o diabo, Veredas Mortas, na verdade se chama Veredas Altas. Ou seja, o lugar do demônio não existe. Portanto, este também não existe. O começo da descrença no demônio vai ser o caminho pelo qual Riobaldo vai poder entrar em uma nova via de conhecimento e compreensão do mundo. Um mundo onde nada é fixo, tudo é “ de incerto jeito”, tudo muda e se transforma e as pessoas ainda não foram terminadas.
Essa travessia por dentro do misterioso amor que só mostra seu verdadeiro rosto na morte terá igualmente como conseqüência a percepção por parte de Riobaldo que o demônio como síntese do mal, em sua essência é nada. Sendo ou pretendendo ser anulação do ser, o demônio propriamente não existe. Riobaldo que logo no começo do livro afirma já haver perdido a crença no demônio, “mercês de Deus” acabará afirmando que o diabo não passa de um estado de espírito do próprio ser humano. O diabo será o avesso e o ruim do humano. Sem as maldades do próprio homem não há demônio!
Embora na obra rosiana o ambíguo e o nebuloso dominem; embora Riobaldo se mostre ambivalente e chegue a duvidar mesmo da existência ou não existência do Demônio, a narrativa do autor vai tornando claro que na verdade ele não efetivou o pacto, uma vez que é senhor da sua linguagem e vai construindo narrativa que relata ao doutor que o escuta. Riobaldo não foi dominado pelo demônio que emudece e que impede o falar coerente. Portanto, não está possuído pelo demônio, ao menos na perspectiva do presente da narração. Ao narrar sua tentativa de pacto com o demônio, Riobaldo reconhece que só obteve como resposta um grande silencio, um silencio particularmente eloqüente: “O senhor sabe o que o silencio é? E a gente mesmo, demais.”
Portanto, se pacto não houve, a responsabilidade pelos atos cruéis e violentos cometidos durante sua vida de jagunço não pode ser atribuída ao diabo e à possessão demoníaca. As forças obscuras e turvas nascem na verdade no interior do próprio indivíduo. E assim vai afirmar Riobaldo: “...o diabo vige dentro do homem, os crespos do homem – ou é o homem arruinado, ou o homem dos avessos. Solto, por si, é que não tem diabo nenhum.”. O homem humano capaz do mal e da crueldade, da violência e da maldade é o mesmo capaz do dom de si e do amor até a morte, sem gozo e só com paixão padecida, como encarnado em Diadorim. Morada da eterna luta entre bem e mal, pecado e graça, o ser humano do qual Riobaldo é protótipo segue seu caminho, pelo grande sertão que é a vida, escolhendo que veredas tomar na sua viagem em busca do sentido, de resposta para suas indagações.
Parece ser que Guimarães Rosa disso sabe bem, ao escrever seu magnífico romance, que situa a origem do mal no interior obscuro do próprio ser humano ou nas forças sociais de domínio por ele criadas. No fundo, o pacto com o diabo é estratégia do romancista para afirmar sua não existência e responsabilizar o ser humano pelo que acontece no mundo que lhe foi dado pelo Criador e que ele é, por Este, chamado a transformar.
Por tudo isso e muito mais, é digno e justo celebrar Guimarães Rosa, esse gênio maior das letras, no ano de seu centenário! Amém!

* Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, e Diretora Geral de Conteúdo do Amai-vos. É também autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Folhas do Álamo: cuidados com a saúde do texto

Definitivamente, quando se inicia a leitura de um livro, a última coisa com a qual o leitor precisaria se preocupar seria com erros de ortografia, coisa que deveria ser posta para fora do trabalho desde o momento em que está pronto para publicação. Encontrar algo assim é algo que macula, causa má impressão à obra. Ao tomar um livro é como se o leitor falasse ao autor: bem, meu camarada, vejamos o que você tem a me dizer. Nada deve atrapalhar essa conversa, de forma que o autor não pode se expressar mal sob pena de ser subestimado pelo seu leitor. Já imaginaram? Para entender o que alguém escreve primeiro ter que corrigi-lo? Mas infelizmente, de certo modo, é por onde começarei a minha crítica.

Se a proposta do escritor incluísse e contasse com esses erros como recurso de estilo, o que demonstra controle sobre o texto, isso não seria um problema. Mas não é o que ocorre em Folhas do Álamo (Editora Idéia, 2007, 103p.), de Misael Nóbrega, quando nos parece que a intenção da escrita é ser formal e culta. O livro poderia até ser salvo dessa crítica se os erros fossem poucos, o que seria tomado como falha tipográfica, de digitação, ou aquele tipo de erro que ninguém viu que cometeu, nem mesmo o autor, mas não é o que se observa. Equívocos estão aqui e ali no trabalho, desde o primeiro texto, “o que não posso prevê (sic) é a verdade dos outros (somos inventivos demais)” (p. 19), até os últimos, “O meu desgosto é breve. É um tumor na alma. Ele, simplesmente, dar (sic) o ar da graça.” (p. 87). Esse tipo de erro é a velha confusão de uso entre infinitivo do verbo e sua terceira pessoa do singular no presente do indicativo. Há ainda diversos empregos mal sucedidos da crase e estes se encontram por todo o livro ao ponto de ser impossível citar todos em função do tamanho desse artigo e a maioria dos erros está ligada a um uso estranho da transitividade de alguns verbos e a necessidade ou não do artigo feminino. Na p. 30, entendemos contextualmente que o verbo “assistir” está presente na intenção de ver, observar: “assisto, passivamente, os estorvos da razão”; mas a maneira escrita não corresponde a essa idéia. Nessa mesma página encontramos “Um processo de degradação se desencadeia à partir da inveja e se torna débil, o homem” (até meu Microsoft Word sublinhou de verde esse “à” e quando clico com botão direito do mouse, ele diz “Neste caso, não se usa crase”. O Word sugere muita correção estúpida, é verdade, mas aqui ele está certo).

Confesso que é muito chato ser o tipo de carrasco que se atém a esses detalhes porque afinal isso é dever do escritor e também da editora que deve submeter tudo a uma avaliação minuciosa (e esse conselho vale para todos os nomes de escritores atuais de Patos, sobretudo os mais conhecidos juntamente com Misael Nóbrega, pois apresentam em suas obras erros da mesma natureza: Wandecy Medeiros e José Mota Victor). Muitos podem dizer que sou muito mesquinho e ruim ao apontar esses erros, já que eu não discuto aqui o conteúdo da coisa. Mas meu altruísmo é pequeno. A questão é que há muitos casos em que certos empregos da crase, uso das vírgulas, parênteses, reticências, travessões, ponto-e-vírgula, dificultam e muito a compreensão do que está escrito! Já deixa de ser erro de ortografia para ser falha semântica. E aí, como o leitor poderá interpretar se sequer consegue entender? Algumas construções com a crase podem ser admissíveis poeticamente falando (e meu altruísmo é pequeno, ora vejam só!), mas no texto não há um terreno propício que segure essas construções. P. 38: “É não admitindo a fraqueza que se imagina à tolerância.” P. 55: “De comprida, a marcha passou à impiedosa.” P. 69: “Somos indignos, por não sustentarmos às nossas próprias epístolas.” P. 93: “Não permito que transplantem às minhas partes.” Nestes casos há sim problemas na expressão do que o texto quis dizer.

Folhas do Álamo banaliza os sinais gráficos de ritmação da leitura com uso excessivo e indiscriminado, empobrecendo a cadência das palavras. Outra coisa que gera dificuldade para o leitor é a maneira como o autor trabalha a construção de parágrafos. Passei alguns minutos me esforçando para entender certas construções não pela complexidade da idéia, mas tentando saber qual era a própria idéia. Misael se vale das palavras ignorando por vezes o fato do que elas significam não isoladamente, porque de fato nada significam, mas em conjunto com as outras. Acontece, no entanto, de montar seu discurso seqüenciando vocábulos, apenas, não atento ao fato de que simplesmente juntos podem também não dizer coisa alguma, ou ainda de terem dito algo onde o emprego daquelas palavras foi gratuito. Concordem ou não, mas talvez seja esse o termo que define melhor o uso das palavras nas construções dos textos do autor: gratuidade. O encadeamento do que é dito é feito com palavras que, somadas ao fim de uma linha, de um parágrafo, enfim, da leitura, o resultado é zero. Cada palavra escrita abre a possibilidade de se dizer algo, porém imediatamente o autor insere outra que já abre outra possibilidade e assim continua, ad infinitum – ou até que o texto termine e você fique com a sensação de que nada leu de conclusivo. Além disso, alguns usos de palavras também são feitos sem critério inclusive do que significam de forma isolada, como no caso do verbo “convalescer” que aparece na frase “Filósofos, físicos, médicos, poetas… convalesceram por causa de suas ‘heresias’” (p. 82). No contexto da coisa não há como negar que o verbo é usado com o mesmo sentido de “definhar”, “acabar”, “fenecer”. Mas o que significa “convalescer” é muito distinto.

Noutros momentos, o texto é legível, a idéia é completa na crônica/aforismo inteira. Ou seja, que Folhas do Álamo, apesar desses desvios, teve e tem alguma intenção no que se prestou a dizer. No entanto, e isso é uma fala subjetiva, de meu gosto, não foi um livro que me tocou. Não apresenta uma força que imprima a necessidade de reflexão do que existe ali para além do momento da leitura (e isso é uma constante em autores como os outros dois citados acima). Mas também não exigiremos muito. Por hora, seria indispensável a Misael Nóbrega estar atento a estas sugestões, buscar principalmente um cuidado no uso das palavras, cercá-las bem para que elas signifiquem melhor no seu texto. Alcançar em todos seus textos aquilo que em alguns de Folhas do Álamo ele consegue: segurar a idéia até o final, sem atropelos ou construções confusas. Somos bem-intencionados nesta crítica e, depois dela, temos esperanças de que a escrita de Misael Nóbrega convalesça bem.

terça-feira, 1 de julho de 2008

CONVITE AO VÔO

Moro no longe! E o que publico nesse blog são as boas novas - os evangelhos - da terra onde descansa-se da loucura diária. O texto abaixo foi escrito pelo Eduardo Galeano, amigo que me visita diariamente.




Embora não possamos adivinhar o tempo que será, temos, sim, o direito de imaginar o que queremos que seja. Em 1948 e em 1976, as Nações Unidas proclamaram extensas listas de direitos humanos, mas a imensa maioria da humanidade só tem o direito de ver, ouvir e calar. Que tal começarmos a exercer o jamais proclamado direito de sonhar? Que tal delirarmos um pouquinho? Vamos fixar o olhar num ponto além da infâmia para adivinhar outro mundo possível:
o ar estará livre de todo o veneno que não vier dos medos humanos e das paixões humanas; nas ruas os automóveis serão esmagados pelos cães; as pessoas não serão dirigidas pelos automóveis, nem programadas pelo computador; nem compradas pelo supermercado, nem olhadas pelo televisor; o televisor deixará de ser o membro mais importante da família e será tratado como o ferro de passar e a máquina de lavar roupa;
as pessoas trabalharão para viver, em vez de viver para trabalhar; será incorporado aos códigos penais o delito da estupidez, cometido por aqueles que vivem para ter e para ganhar, em vez de viver apenas por viver, como canta o pássaro sem saber que canta e como brinca a criança sem saber que brinca;
em nenhum país serão presos os jovens que se negarem a prestar serviço militar, mas irão para a cadeia os que desejarem prestá-lo; os economistas não chamarão nível de vida de nível de consumo, nem chamarão qualidade de vida a quantidade de coisas;
os cozinheiros não acreditarão que as lagostas gostam de serem fervidas vivas; os historiadores não acreditarão que os países gostam de ser invadidos; os políticos não acreditarão que os pobres gostam de comer promessas;
ninguém acreditará que a solenidade é uma virtude e ninguém levará a sério aquele que não for capaz de deixar de ser sério; a morte e o dinheiro perderão seus mágicos poderes e nem por falecimento ou fortuna o canalha será transformado em virtuoso cavaleiro; ninguém será considerado herói ou pascácio por fazer o que acha justo em lugar de fazer o que mais lhe convém;
o mundo já não estará em guerra contra os pobres, mas contra a pobreza, e a indústria militar não terá outro remédio senão declarar-se em falência; a comida não será uma mercadoria e nem a informação um negócio, por que a comida e a informação são direitos humanos; ninguém morrerá de fome, porque ninguém morrerá de indigestão;
os meninos de rua não serão tratados como lixo, porque não haverá meninos de rua; os meninos ricos não serão tratados como se fossem dinheiro, porque não haverá meninos ricos; a educação não será privilégio de quem possa pagá-la; a polícia não será o terror de quem não possa pagá-la; a justiça e a liberdade, irmãs siamesas condenadas a viverem separadas, tornarão a unir-se, bem juntinhas, ombro contra ombro;
uma mulher, negra, será presidente do Brasil, e outra mulher, negra, será presidente dos Estados Unidos da América; e uma mulher índia governará a Guatemala e outra o Peru; na Argentina, as loucas da Praça de Mayo serão um exemplo de saúde mental, porque se negaram a esquecer dos tempos da amnésia obrigatória;
a Santa Madre Igreja corrigirá os erros das tábuas de Moisés e o sexto mandamento ordenará que se festeje o corpo; a Igreja também ditará outro mandamento, do qual Deus se esqueceu: "Amarás a natureza, da qual fazes parte"; serão reflorestados os desertos do mundo e os desertos da alma; os desesperados serão esperados e os perdidos serão encontrados, porque eles são os que se desesperam de tanto esperar e os que se perdem de tanto procurar;
seremos compatriotas e contemporâneos de todos que tenham aspiração de justiça e aspiração de beleza, tenham nascido onde tenham nascido e tenham vivido quando tenham vivido, sem que importem nem um pouco as fronteiras do mapa ou do tempo;
a perfeição continuará sendo um aborrecido privilégio dos deuses; mas, neste mundo confuso e fastidioso, cada noite será vivida como se fosse a última e cada dia como se fosse o primeiro.

domingo, 15 de junho de 2008

O ser poético


Simple Fortune


Those terrific eyes of you

Has within the simple fortune

Of holding my heart in return


Once again they shiver gladly

In front of my caress completely given

And as it was so easy to do

They go reaching all my inner truth


For a girl that can take nothing for granted

Defenseless goes this usual hunter

Even it’s such an unbearable happening

She throws herself hunted pleasantly!


Não é uma ode à língua inglesa. É apenas uma linguagem por onde essa poesia pôde existir. Observando ela em sua forma original acima, tentei traduzi-la e saiu algo diferente da idéia original, mas não menos poético:


Fortuna

Este teu afável olhar

Guarda a simples fortuna

De meu íntimo abarcar

Sem pedir licença nenhuma

Outra vez as íris brilham

Diante do afeto em apogeu

E como se fosse fácil, captam

A verdade que se escondeu

Para o amante da conquista

É intolerável o que de todo lhe fisga

E mesmo que seja insuportável o fato

Ela se entrega, por querer, ao caçado!



Por essa razão penso que a tradução de poemas devia ser proibida, muito embora gere algo não menos poético e interessante, no entanto, de sentido provavelmente desconexo e infiel à poesia original. Essa peculiaridade que possui a poesia traduz o âmago de minha paixão por ela. Ela não é apenas concatenação de idéias, mas, além disto, idéias concatenadas ao sabor de uma sonoridade única e indissociável.

sábado, 14 de junho de 2008

Postagem na madrugada

Acho que todos os novos blogues com uma proposta interessante devem buscar algum tipo de divulgação mútua. Aqui fica, pois, o endereço do blogue de uma amiga lá de terras distantes: Vitória da Conquista(BA) - cidade com o nome mais esquisito do mundo, segundo palavras da própria nativa. Ela nos divulgou, então eu devolvo a cortesia.

O blogue é o Psicoteco, da minha amiga Hellnatinha.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Sobre os jornais impressos, o Patos Online e a família Sagaz

A imprensa de Patos é foda! Começo dizendo logo assim, porque recebo mensalmente um paiol de jornais e vejo um trabalho terrível. Notícia política parece ser o único conteúdo realmente interessante para seus idealizadores. Durante todo o mês, o povo fala sobre inúmeros assuntos, acontecimentos que acontecem na região, eventos do passado... Mas quem escreve, dá nó em vento e acaba sempre falando sobre os ilustres, saudosos, magnânimos políticos da cidade (e seus graaaaaandes feitos).

Para se ter uma idéia de como é a babança impressa em papel jornal, vou citar uma notícia da edição nº127 Jornal O Sertão. Palavras de Marcos “seja lá quem for” Nogueira:

“Com a mesma sagacidade do saudoso Edivaldo Motta, Francisca Motta vem mostrando a cada dia que dificilmente perderá uma campanha, em termos de legislativo. Até parece a reencarnação do Perereca. E a prova maior foi dada em sessão passada, quando a atuante deputada não pensou duas vezes para, de supetão, tirar das mãos de José Gonçalves a ata de uma reunião, que teimava em não lhe dar. Foi motivo de riso e de muito ibope para a parlamentar das Espinharas”.

Eu acho que pra quem acompanha o blog, já deve ter notado que Marcos Nogueira fez exatamente o contrário do que eu fiz em minha primeira publicação no Soda Cáustica: exaltou a ação da deputada em tirar o papel das mãos do “Chefe da Casa” e sair correndo. Pô! Ela é muito sagaz igual ao marido?! Isso quer dizer o quê? Que Edivaldo Motta saía por aí roubando papéis de pessoas que presidiam reuniões?! Por favor!

Em uma coisa Marcos Nogueira estava certo: De que todo esse labacé foi motivo de riso (mas não de orgulho).

Já do Patos Online, não há nem muito a se falar. O povo do Soda Cáustica me diz o que aconteceu entre os dois sites e eu só faço rir quando fico sabendo do que é feito no Patos Online pra parecer que o nosso blog não existe. Tiraram o link do S.C. do site, no mural não se pode digitar a palavra “Soda Cáustica” nem “SD Cáustica”, nem “SC” nem nada que lembre o nome do blog. Agora, os outros blogs também perderam espaço no portal Patos Online...

Acho que com essas atitudes, os donos do tal portal se achem importantes. Mas vejam só! Se for colocado no Google o nome “Soda Cáustica Blog”, vai aparecer antes mesmo que o nosso link, o link do Patos Online.

Estamos intimamente ligados.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Allyrio no Soda Cáustica


Bom, essa é uma postagem extraordinária, como aqueles boletins do plantão da Globo. Extraordinária pelo menos para mim, que não esperava nem pensava postar algo dessa forma. Mas como o assunto entrou em pauta no Mural do Patosonline, então eu vou publicar. Antes de tudo, presto apenas alguns esclarecimentos:

Como falaram em Allyrio Meira Wanderley - e eu me meti na conversa -, entre uma fala e outra trocada, o muralista Souza Irmão me pediu que fizesse um texto biográfico. Ora, já existem alguns circulando, escritos por ilustres patoenses, mas muito ruins (definitivamente!). Eu não quero escrever um "mais do mesmo". Então aproveitei um e-mail que enviei para uma professora Doutora há certo tempo, fiz algumas edições e vou dispô-lo aqui. Omiti alguns nomes e informações para proteger o meu anonimato e deixar de lado as outras pessoas envolvidas (algo que, creio eu, nesse momento não assume grande relevância). Onde eu coloquei Lau Cariri, é claro que no lugar estava meu nome verdadeiro. E onde estão as lacunas, no e-mail estava tudo completo. É texto mais acadêmico, me perdoem, mas acho que isso pode substituir a biografia.



Saudações, caríssima _________


Hoje, 24 de janeiro, eu fazia uma busca de rotina na internet acerca de Allyrio Meira Wanderley, cruzando o nome dele com outras referências. Quando usei, junto no critério da busca, o termo "Monte Brito", pseudônimo com qual assinou vários rodapés em jornais na década de 1940, o buscador apontou para o banco de teses e dissertações da ______ e lá encontrei sua tese de doutoramento. Não a li por inteiro, afinal, estou com ela há menos de 15 minutos, mas pude "sentir" do que se trata. Evidentemente, fui direto à procura de onde havia a tal referência. E para minha alegre surpresa, vi que o contexto onde estava citado o nome do Autor era o mais bem localizado possível: os projetos de brasilidade na Era Vargas. Nunca empreendi uma pesquisa inteira sobre a relação da obra de Allyrio Meira Wanderley com esse tema tão atraente e tão em ascensão na pesquisa histórica brasileira atual, mas já ensaiei alguns passos e tenho outras idéias, muitas mesmo (pois acerca de Allyrio, que além de filósofo e crítico literário, também foi romancista, é possível traçar relações e confluências de sua literatura com as idéias do jovem Lukács d'A Teoria do Romance e com as obras de Thomas Mann e de Dostoiévski no que dizem respeito aos projetos de modernidade, cultura, ideologia, política, moral e Progresso discutidos por estes escritores).

Como sua tese foi defendida em 2002, e já se vão por volta de 6 anos, espero que tenha obtido mais informações sobre Allyrio, sobretudo agora que é professora de História da UF____. E aqui, permita-me que me apresente. Meu nome é Lau Cariri, sou recente _____________ pela UF___. Sob orientação do Prof. __________, defendi minha monografia de conclusão de curso "Entre a Literatura e a História: Uma Contribuição ao Tema a Partir da Obra Bolsos Vazios de Allyrio Meira Wanderley" em outubro passado. Neste trabalho, que tem de tudo um pouco, na terceira parte há uma avaliação dos projetos de ideologia, política e cultura no referido romance. Lembro-me que enquanto escrevia o trabalho, a quantidade de referências que encaixavam a literatura de Allyrio dentro da perspectiva dos projetos de brasilidade das primeiras décadas do século XX no Brasil eram enormes, principalmente no quesito da discussão de uma possível arte brasileira, da sua forma e conteúdo específicos, além de um grande diálogo sobre a aceitação ou rejeição dos vanguardismos (só para localizar, o romance Bolsos Vazios foi escrito em 1928). Não foi tão difícil, portanto, encontrar proximidade com os debates de natureza semelhante, em contexto particular, é claro, presentes n'A Montanha Mágica, de Thomas Mann.

Bem, retomando… como dizia, espero que tenha obtido mais informações sobre esse autor com sua presença na UF____, uma vez que Allyrio era paraibano (da cidade de Patos, no sertão, que é o lugar, por sinal, de onde lhe escrevo agora). Sou pesquisador de sua obra há algum tempo e já tive a oportunidade de ler seus romances e seus ensaios de sociologia, crítica e teoria literária e de filosofia. Você mencionou As Bases do Separatismo quando se referiu ao período Vargas e a construção do projeto nacional. De fato, nesse livro, há uma radicalização do discurso contra a unidade brasileira e que foi reprimida ainda no ano da publicação (já cheguei a ler a nota emitida pelo DIP onde considerava o livro de subversivo e comunista e que por tais razões cassava a obra e processava o Autor - de modo que Allyrio foi mesmo processado e até se refugiou na região do Pico do Jabre, próximo a Teixeira, enquanto não foi absolvido das acusações).

Bem. Com todo esse palavreado, é possível que você só esteja pensando em qual seria a intenção desse e-mail. Direi. Sou pesquisador de Allyrio, mas encontro muitas dificuldades em juntar material de pesquisa assim como manter um respaldo acadêmico para pesquisá-lo. Digo isso porque quando iniciei meus estudos para a monografia, o maior problema encontrado foi não ter referências para minhas observações e análises. Allyrio é pouquíssimo conhecido e isso cria uma barreira para manter um diálogo com outras leituras já feitas sobre seus livros e com as quais eu possa comparar e tomar como embasamento. Isso me motivou a quase que encampar uma missão de tornar Allyrio visível e, através de contatos que venho estabelecendo, tenho conseguido resultados bons. Nunca foi meu objetivo a atitude mesquinha de, como se tivesse achado uma mina de ouro, esconder Allyrio Meira, mesmo sabendo que suas obras "dão pano para mangas" e trabalhos sobre elas são inéditos. Durante esse tempo, estabeleci contatos que muito ajudaram. Espero ter encontrado em você mais uma grande ajuda.

Minha proposta é que estabeleçamos um diálogo. Quando escrevi minha monografia, havia estudado em disciplinas do curso a historiografia brasileira do século XX, coisa que me permitiu muitas das análises que encaixam Allyrio no contexto que você mesma aborda no momento inicial da sua tese. Mas ainda assim, considero as análises presentes no meu texto defasadas quando comparo com o que já "ruminei" desde então e com o que adquiri com esse tempo passado. Penso que com certeza suas leituras mais abrangentes no tema sejam capazes de agenciar a relação "Allyrio-Contexto de formação da brasilidade no início do século XX" de maneira mais eficaz e me ajudarão deveras. Ressalto, ainda, que para além dessa minha sugestão podem e devem prevalecer seus próprios interesses quando tomar contato com Allyrio e avaliar o que sua obra pode efetivamente lhe dizer e como pode conversar com as pesquisas desempenhadas atualmente por você.

Imagino, é claro, que você tem muitas ocupações como professora da UF___ e que elas até impeçam seu empenho nessa proposta. Mas pela afinidade que à primeira vista se estabelece entre os temas, creio que seja sim de seu interesse.

Portanto, antes mesmo de terminar, é possível até crer que tudo isso que acabei de falar sobre Allyrio Meira já seja de seu conhecimento, e talvez você já tenha mais idéias e sugestões diante do que encontrou. Isso seria ótimo! Então, pergunto agora: além daquela informação presente na sua tese, já pesquisou algo mais? A questão é importante porque só assim posso avaliar como posso ajudá-la fornecendo algumas coisas de que disponho - e de como você pode me ajudar também.

Aguardo resposta.

Agradeço sua atenção.

Mui respeitosamente,

Lau Cariri

PS: outra coisa que o buscador apontou quando cruzei as mesmas referências de que falei acima foi um artigo de Graciliano Ramos para o jornal carioca O Jornal publicado como se fosse uma carta endereçada a Allyrio que se encontra na Biblioteca do Centro Universitário Claretiano. Eles puseram um trecho na internet que eu colo agora (Monte Brito era o próprio Allyrio usando pseudônimo. Ou seja, quando Graciliano, escrevendo a Allyrio, diz que tem procurado Monte Brito, "esse seu amigo", fala é do próprio Allyrio de maneira indireta para o próprio Allyrio (a redundância fez-se necessária mesmo). Sei que Allyrio Meira era um sujeito de índole forte e duro nas convicções, daí minha conclusão):

400 / N.2/2001 [ Artigo ]

O JORNAL-RJ.. Carta a Allyrio,Graciliano Ramos.. Teresa-Revista de Literatura Brasileira2-USP., , n. N.2/2001, 2001.

Resumo:

Tenho procurado avistar-me com monte Brito,mas esse seu amigo ‚ vaporoso,‚ abstrato,abala-me as conviccoes,atira-me ao idealismo,insinua-me a suspeita de que um ser livre de carne e osso ‚ capaz de escrever extensos rodapes..... Anual.... Preto....

Palavras-chave:

GRACILIANO RAMOS; LITERATURA; CARTA A ALLYRIO..Biblioteca - Centro Universitário Claretiano 001

Sobre o Caso Concorde, a Casa dos Deputados e o Pagodão do Governador

Pra quem gosta daqueles muídos políticos, principalmente os de nosso Estado, nada melhor que assistir ao programa televisivo Correio Debate. O programa é apresentado pelo jornalista Helder Moura. Um sujeito de aparência bem "cinza escritório". Mas cá pra nós... Entre os jornalistas paraibanos, ele é o melhor.

Citei Helder Moura e seu programa de debates porque é o único programa de televisão paraibano que fala sobre política com profundidade. Rir ajuda na digestão do almoço da vovó, então procuro acompanhar as piadas do Governo.

Um exemplo é o "Caso Concorde". Aquele do dinheiro jogado pela janela de um prédio pelos assessores de campanha do atual governador. Muita criatividade do Cinzento Helder! Além de martelar em cima do caso até hoje, ainda tira piada! Deu certo... O nome "Caso Concorde" ou "Caso do Dinheiro Voador" foi criado no programa e ganhou popularidade...

No Brasil, uma regra é fundamental. Coisa do governo ou é roubada ou sucateada.

Aqui na Paraíba, é claro, não poderia ser diferente. E como hoje estou fazendo propaganda de graça para Helder Moura, "O Cinzento", vou falar sobre o que ele tem mostrado até agora (e que já faz algum tempo).

A Assembléia Legislativa está em ruínas! Em pedaços! Para se ter uma idéia, boa parte das cadeiras estão ou quebradas, ou enferrujadas ou as duas coisas; a bancada do Chefe da Casa está podre; o teto, mofando; e uma poça d'água em um canto de parede.

Pórém a "Casa dos Deputados" não é toda ATRASOS e DESCASOS, não! Manhã passada vi uma imagem pitoresca: Em busca de tecnologia, aparamentaram a A.L. com rede wireless. Na situação, com sessão aberta, alguns deputados estavam acessando o Orkut e o Msn tranqüilamente. Prova de que nossos representantes estão "antenados" com as novas tecnologias e que têm uma estupenda capacidade de organizar suas idéias fazendo duas coisas ao mesmo tempo.

Danado foi um episódio que aconteceu 2 meses atrás... A deputada patoense Francisca Motta correndo, pulando e gargalhando depois de um grande feito seu. Ela, de forma sorrateira, tomou uma pauta das mãos do Chefe da Casa e fugiu "com toda a porra". Só me lembrei da vergonhosa cena em que uma deputada federal petista dançou frente a seus colegas um ano atrás, em Brasília, por vencer em votação mais um projeto que beneficiava sua classe.

Helder Moura também é detetive em suas horas vagas. O faz pra espairecer... Em uma de suas investigações, ele conseguiu um vídeo feito com um celular contendo a imagem de nosso querido governador em um pagodão. Certo que até político também é ser humano (assim dizem por aí)... Mas o conteúdo do vídeo também mostra uma bela loira amassando e sendo amassada por Cássio. Ora! Não é de se criticar... É de mostrar que o governador Cássio é
humano... Demasiado humano...

terça-feira, 27 de maio de 2008

A Justiça é cega e assexuada!

Sentença promulgada no Estado de Alagoas, em 1833.


















O adjunto de promotor público, representando contra o cabra Manoel Duda, porque no dia 11 do mês de Nossa Senhora Sant'Ana, quando a mulher do Xico Bento ia para a fonte, já perto dela, o supracitado cabra que estava de tocaia em uma moita de mato, sahiu della de supetão e fez proposta a dita mulher, por quem queria para coisa que não se pode trazer a lume, e como ella se recuzasse, o dito cabra abrafolou-se dela, deitou-a no chão, deixando as encomendas della de fora e ao Deus dará. Elle não conseguiu matrimonio porque ella gritou e veio em amparo della Nocreto Correia e Norberto Barbosa, que prenderam o cujo em flagrante. Dizem as leises que duas testemunhas que assistam a qualquer naufrágio do sucesso faz prova.

CONSIDERO:
QUE o cabra Manoel Duda agrediu a mulher de Xico Bento para conxambrar com ella e fazer chumbregâncias, coisas que só marido della competia conxambrar, porque casados pelo regime da Santa Igreja Cathólica Romana;
QUE o cabra Manoel Duda é um suplicante deboxado que nunca soube respeitar as famílias de suas vizinhas, tanto que quiz também fazer; conxambranas com a Quitéria e Clarinha, moças donzellas;
QUE Manoel Duda é um sujetio perigoso e que não tiver uma cousa que atenue a perigança dele, amanhan está metendo medo até nos homens.

CONDENO o cabra Manoel Duda, pelo malifício que fez à mulher do Xico Bento, a ser CAPADO, capadura que deverá ser feita a MACETE.
A execução desta peça deverá ser feita na cadeia desta Villa. Nomeio carrasco o carcereiro.

Cumpra-se e apregue-se editais nos lugares públicos.

Manoel Fernandes dos Santos
Juiz de Direito da Vila de Porto da Folha Sergipe
15 de outubro de 1833

Fonte:
Instituto Histórico Geográfico de Alagoas

domingo, 11 de maio de 2008

Pars II: Gênero e número dos substantivos

Salue, popule! Chegamos a nossa segunda aula de língua latina. E é bom saber que pelo menos duas pessoas, confirmadas, estão acompanhando-as aqui conosco. Hoje trataremos dos substantivos latinos, que, como eu já disse, podem ser masculinos, femininos ou neutros. Bom, ainda estamos na primeira parte de nossas lições, então, lembre-se de que, do vocabulário, só trataremos de maneira mais pormenorizada depois, okay? Pois muito que bem!

Os gêneros latinos (masculino, feminino e neutro) são distribuídos em cinco grandes – na verdade um deles nem é tão grande assim – grupos de palavras chamados Declinações. No entanto, deixaremos p’ra lá essa coisa de declinação, e trataremos dos substantivos que possam vir a aparecer aqui, da maneira que nos convêm. Lembre-se de que o nosso interesse é só mandar ver latinamente. O resto que se... Bom, em primeiro lugar, veremos o gênero dos substantivos, paralelamente ao do português. Mas nada de falar sobre Casos. Deixaremos isso para quando for o caso (trocadilho sem graça, hein?). Que seja! As palavras do nosso vocabulário serão apresentadas sempre no singular. ‘Cê deve ter em mente que as que terminarem em -a, -es ou -trix serão femininas; as que acabarem em -us, -ix ou -tor, masculinas; e em -um ou -en, neutras. Caso haja alguma exceção, eu avisarei. Assim, a palavra cauda, -ae, que em latim quer dizer cauda mesmo, mas também pode ser tida no sentido de pênis (o porquê deixaremos para as lições em que eu apresentarei o vocabulário), é uma palavra feminina, bem como fututrix, -tricis, [futútriks]. A palavra cinaedus, -i [kináydus], por outro lado, termina em -us, então é masculina. Cunnus, -i [kúnnus] também é masculina, pois, como a outra, acaba em -us. scortum, -i [skórtum] é neutra, termina em -um. E assim por diante.

Como eu já falei, não há artigos em latim. Isto quer dizer que eles, os artigos, só têm de aparecer na tradução. Se o artigo vai ser definido ou indefinido, só o contexto pode indicar, mas a verdade é que nem sempre eles serão necessários à tradução. Agora, lembre que quem dita o gênero do artigo, na tradução, é o gênero da palavra em português. Há sempre quem pensa: “Mas no português não há neutro, magister (professor).” Ora! Por isso as palavras são sempre traduzidas, em português, por equivalentes femininas ou masculinas. Não há moído algum! Culus = o (um) cu; scortum = a (uma) puta; cunnus = a (uma) vulva, ou vagina. Simples! No entanto, a tradução de cunnus pode ser mais a gosto do tradutor, entende?

Se você já captou bem o que foi dito até aqui, podemos falar agora do plural. Vejam bem... não tem essas letrinhas que apareceram depois das palavras que eu usei como exemplo? Pois bem, nós podemos usá-las como referência para achar o plural das palavras que as acompanham. No caso dos substantivos terminados em -a e -us, o que vier depois da virgula coincide com seu plural. Basta substituir o -a ou -us por, respectivamente, -ae ou -i (cauda/caudae [káuda/káuday]; cinaedus/cinaedi [kináydus/kináydi]). Já se a palavra terminar em -um, ao invés de -i, cê deve pôr -a (scortum/scorta [skórtum/skórta]). Agora, com palavras terminadas em -trix, -ix, -tor e -en as coisas ficam um pouco mais complicadas. Você vai fazer o seguinte... perceba que o que vem depois da vírgula não é tão regular como nos casos precedentes: fututrix, -tricis; fellator, -toris. Notou? Agora veja que o -is final manteve-se. Pronto! Cê vai substituir esse -i- por -e- (fututrix/fututrices [futútriks/fututríkes], fellator/fellatores [fellátor/fellatôres]). Agora, se a palavra terminar em -en, o -is será substituído por -a (inguen/inguina [íngüen/íngüina]). E é isto!

Por fim, eu só quero apresentar o modelo para boa parte dos adjetivos e pronomes adjetivos que usaremos. O modelo é muito simples: parua, -us, -um [pár:wa, pár:wus, pár:wum]. Ele trás, respectivamente, as formas para o masculino, feminino e neutro. Isto quer dizer que em latim o adjetivo concorda em gênero com o substantivo? Claro que sim! Exemplo: “Oh culus magnus, Deus!” / “Oh cu grande (cuzão), meu Deus!”

Mas lembre-se: não é o fato da palavra terminar em -us que o adjetivo também deve terminar, mas o fato de ela ser masculina. Assim, algumas vezes suas terminações não coincidirão: fututrix bella.

Sobre o pronome adjetivo meus, -a, -um; perceba que em “Oh culus magnus, Deus!” ele, como os pronomes pessoais do caso reto, nem sempre precisam aparecer em latim, ainda que surjam na tradução. Você só vai precisar colocá-lo na frase latina se quiser enfatizar, por qualquer motivo, o pronome em questão ou para não gerar algum tipo de ambigüidade. Seria algo como nessas frases: “Deus do céu, por que foi acontecer isso?” e “Meu Deus do céu, por que foi acontecer isso?” Percebe que há uma ênfase maior no segundo caso, embora no primeiro o “meu” esteja subentendido, afinal quem se direciona a Ele dessa forma é porque O toma como seu, não é vero?

Neste momento, meu caro, minha cara, tento aprendido o verbo esse, e conhecendo algumas palavras, você já pode formar algumas pequenas frases. Quer ver? Bom, quantas vezes não gostaríamos de fazer a alguém uma pergunta indecorosa, mas somos impedidos por causa do ambiente? Pois é... ‘cê pode usar o latim p´ra isso, desde que o tal alguém esteja por dentro. Agora não se esqueça do modelo frasal que eu apresentei na lição passada, bem como da flexibilidade dele. Vou dedicar agora um tempo a descrever em linhas gerais como ele funciona. Pense na pergunta: aquela menina é quenga? Em latim você até que pode escrever a frase nesta ordem (Illa puella est scortum?), mas o importante é que a pergunta adapte-se a sua intenção de maneira passional. Eu explico: se saber se ela é puta for a grande questão – sei lá, por você está afim – então a frase ficaria melhor assim: Scortum est illa puella? Indo p’ro final o que é menos importante. Agora, se você está surpreso com o fato de aquele menina, e não outra, ser quenga, então a pergunta ficaria melhor assim: Illa puella scortum est? Perceba que o verbo foi pro final da frase, por ser a parte menos importante da frase. Os adjetivos latinos tendem a ficar depois do substantivo com que concordam, mas em latim, até isso é meio relativo a nossa intenção: Illa scortum est puella? Por isto o estudante tem de estar atento a quem está ligado determinado adjetivo. Até a próxima, pessoal!

Vocabulário

Puella, -ae [púella]: menina, moça.
Scortum, -i [skórtum]: puta, quenga.
Cinaedus, -i [kináydus]: homossexual masculino, gay.
Fututrix, -tricis [futútriks]: mulher que dá a muitos ou a alguém específico, rapariga.
Cauda, -ae [cáuda]: cauda, rabo. Mas pode ser usado para se referir ao pau, pênis.
Magnus, -a, -um [mágnus]: grande.
Paruus, -a, -um [par:wus]: pequeno.
Ille, illa, illud [ílle]: aquele, aquela, aquilo.
Bellus, -a, -um [béllus]: belo, bonito.
Culus, -i [kúlus]: cu.
Fellator, -toris [fellátor]: chupão.
Cunnus, -i [kúnnus]: vulva, vagina, buceta.
Meus, -a, -um [mêus]: meu, minha.