segunda-feira, 28 de julho de 2008

Das suposições

Não sei para quem continuo a escrever essas pequenas peças. Mas as escrevo. Sei que para mim
não é, ou pelo menos não pode ser: começo, depois apago, acho feio, acho banal, acho simplório, depois acho rebuscado demais... apago, desisto... Parece que há outro em mim a quem preciso satisfazer, compondo coisas que considera bonitas. Uma outra pessoa, que não é só uma parte, mas outro inteiro, dentro desse inteiro que já digo ser... Esse outro me apela que eu fale menos, depois de ter me obrigado a muito falar; que eu seja menos agressivo e mais silencioso, depois de ter acentuado bem o que chamo de opinião... Depois me exige gestos mais amenos e mais firmes, mesmo que isso pareça contraditório – mas, por vezes, n’alma da gente, só o contraditório faz sentido! São tantas vozes que tenho. Um espírito povoado. Não sei se me consola o fato de saber que assim é com as gentes todas. Toda pessoa é uma legião de outras pessoas. Todos estamos sendo outros a toda hora. De uma maneira mais superficial, isso poderia ser explicado com uma metáfora teatral, como se fôssemos atores que desempenham seus papéis perante uma platéia que é composta de outros atores desempenhando seus papéis perante nós que, nesse instante, representamos o papel de platéia... Somos cebolas: a cebola se veste de si mesma, ela é toda roupa, e por isso, não tem roupa, ela é o que veste. Nós somos nossa pele? Nós somos a pele que dizemos ter: palavra é roupa enfeitada que jogamos sobre o corpo, roupa que não escolhemos vestir... E essas são só suposições. Suposições que trocamos nos olhares, suposições que sabemos que todos temos, mas que nunca chegaremos a saber se todos realmente a temos.

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