sexta-feira, 18 de junho de 2010

São Turismo João em Patos

De repente, como se um redemoinho tivesse deitado raízes no centro do povoado, chegou a companhia bananeira perseguida pela revoada*. Era uma revoada revolta, alvoroçada, formada pelos desperdícios humanos e materiais dos outros povoados; sobras de uma guerra civil que cada vez parecia mais remota e inverossímil. A revoada era implacável. Contaminava tudo com seu movimentado fedor das multidões, fedor de secreção à flor da pele e de recôndita morte. Em menos de um ano despejou sobre o povoado os escombros de numerosas catástrofes anteriores a ela mesma, espalhou pelas ruas sua confusa carga de desperdícios. E eses desperdícios, precipitadamente, ao compasso desajeitado e imprevisto da tempestade, iam selecionando-se, individualizando-se, até converter aquilo que fora um beco com um rio num extremo e um curral para os mortos no outro, em um povoado diferente e complicado, feito com os desperdícios dos outros povoados. Ali vieram, confundidos com a revoada humana, arrastados por sua impetuosa força, os desperdícios dos armazéns, dos hospitais, dos salões de diversão, das plantas elétricas; desperdício de mulheres solitárias e de homens que amarravam a mula numa forquilha do hotel, trazendo como única bagagem um baú de madeira ou uma trouxa de roupa, e em poucos meses tinham casa própria, duas comcubinas e o título militar que lhes ficaram devendo por terem chegado tarde à guerra.

Até os desperdícios do amor triste chegaram até nós na revoada e construíram pequenas casas de madeira, e fizeram primeiro um cantinho onde meio catre era o sombrio lugar para uma noite, e depois uma ruidosa rua clandestina, e depois toda uma vila de prostituição dentro do povoado.

No meio daquela ventania, daquela tempestade de caras desconhecidas, de toldos na via pública,
de homens trocando de roupa na rua, de mulheres sentadas nos baús com os guarda-chuvas abertos, e de mulas e mulas abandonadas, morrendo de fome no estábulo do hotel, os primeiros éramos os últimos; nós éramos os forasteiros; os adventícios. Depois da guerra, quando viemos a Macondo e apreciamos a qualidade do seu solo, sabíamos que a revoada havia de vir alguma vez, mas não contávamos com seu ímpeto. De modo que, quando sentimos que chegava a avalanche a única coisa que pudemos fazer foi pôr o prato com o garfo e a faca detrás da porta e sentar-nos pacientemente a esperar que nos conhecessem os recém-chegados. Então apitou o trem pela primeira vez. A revoada virou-se e saiu para vê-lo e com a volta perdeu o impulso, mas alcançou unidade e solidez; e sofreu o natural processo de fermentação e se incorporou aos germes da terra.

(Macondo, 1909)




Márquez, Gabriel García. La Hojarasca. Sexta Edición. Barcelona: PLAZA & JANES, S.A., 1979 (tradução livre).


*La Hojarasca, literalmente, a folharada, traz dificuldade em traduzir pro Português. As edições brasileiras mais antigas trazem como título O Enterro do Diabo. Mais recentemente, traduziram por A Revoada. Achei boa idéia acompanhar
.

Um comentário:

Sueli disse...

Meu amigo,
Conheço um lugar pra onde você poderá fugir, até passar essa hojarasca". Que tal São Paulo?