quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Pinta-me anjinhos negros!

Ah, mundo! A Negra Juana,
a desgraça que lhe aconteceu!
morreu-lhe seu negrinho,
sim senhor.

- Ai, compadrezinho de alma,
tão gordinho que estava o negro!
Eu lhe enxergava as dobras,
eu não lhe enxergava o osso;
como eu me enfraquecia,
o media com meu corpo,
ele ia ficando fraco
como eu ia ficando.
Morreu-me meu negrinho;
Deus o terá chamado;
já o terá colocado
como anjinho do Céu.

- Desengane-se, comadre,
que não há anjinhos negros.
Pintor de santos de alcova,
pintor sem terra no peito,
que quando pintas teus santos
não te lembras de teu povo,
que quando pintas tuas Virgens
pintas anjinhos belos,
mas nunca te lembraste
de pintar um anjo negro.

Pintor nascido em minha terra,
com o pincel estrangeiro,
pintor que segues o caminho
de tantos pintores velhos,
ainda que a Virgem seja branca,
pinta-me anjinhos negros.

Não há pintor que pintara
anjinhos de meu povo.
Eu quero anjinhos brancos
com anjinhos morenos.
Anjo de boa família
não basta para meu céu.

Se resta um pintor de santos,
se resta um pintor de céus,
que faça o céu em minha terra,
com os tons de meu povo,
com seu anjo de pérola fina,
com seu anjo de cabelo curto,
com seus anjos ruivos,
com seus anjos morenos,
com seus anjinhos brancos,
com seus anjinhos índios,
com seus anjinhos negros,
que vão comendo manga
pelas periferias do céu.

Se ao céu vou algum dia,
tenho que te encontrar no céu,
anjinhozinho do diabo,
serafim boliçoso.

Se sabes pintar tua terra,
assim hás de pintar teu céu,
com seu sol que tosta brancos,
com seu sol que sua negros,
porque para isso tens
calorzinho e dos bons.
Ainda que a Virgem seja branca,
pinta-me anjinhos negros.

Não há uma igreja de estrada,
não há uma igreja de povoado,
onde deixaram entrar
no quadro anjinhos negros.
E então, aonde vão,
anjinhos de meu povoado,
zamurinhos de Guaribe,
tordinhos de Barlovento?

Pintor que pintas tua terra,
se queres pintar teu céu,
quando pintas anjinhos
lembra-te de teu povo
e ao lado do anjo ruivo
e junto ao anjo trigueiro,
ainda que a Virgem seja branca,
pinta-me anjinhos negros.



Andrés Eloy Blanco (tradução livre, com ajuda de Cristina Poblete)

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